sexta-feira, 16 de agosto de 2013

Quando eu crescer quero ser criança - Por Betina Pilch


Olhar para fora com esperança de enxergar o que habitava seu interior era a sua mania. Mas naquele dia era diferente, tudo parecia novo, e essa novidade era confusa demais para que ela compreendesse.
Ela olhava para a cortina de renda que cobria a janela do seu quarto e tinha a sensação de estar no passado. Aquela cortina, a iluminação... tudo, de repente, lembrava a sua infância. E, por alguns instantes, ela teve acesso aos detalhes daquela mente. A mente daquela menina de seis anos de idade. A menina que ela já foi um dia.
Quão belo era o mundo visto através dos olhos daquela menininha de cabelos cacheados volumosos, de olhos pequenos e lábios grossos. Aquela menininha que detestava pentear os cabelos e ter que perder seu tempo se arrumando para almoçar na casa da avó ou da madrinha, ou para ir à festinha de aniversário da prima. Ela tinha sede de viver. Ela queria brincar. Ela não gostava de perder tempo se arrumando, porque mesmo sendo pequena ela tinha consciência de que ia voltar para casa com os cabelos bagunçados após ter corrido o dia todo e pulado na cama elástica. Ia acabar a festa com a roupa toda suja por ter brincado na terra e com as sandalinhas nas mãos porque seus pés estariam sujos por ela andar descalça o dia todo.
Os adultos eram tão chatos! Nunca entendiam que ela adorava andar descalça na terra. “Vai por o calçado se não você vai ficar doente!” – Eles gritavam toda vez.
Eles não entendiam que era mágico tomar banho de chuva. “Já pra dentro! Você vai pegar um resfriado.” – Ordenavam assim que os primeiros pingos de chuva começavam a cair. Eles eram tão chatos! Que pessimistas rogadores de praga.
Aquela menininha tinha o coração tão bonito, a mente tão inocente, a visão tão simples.
Recordo que uma vez ela levantou da cama e viu seu reflexo na porta do quarto e gritou: “Manhê! Olha isso, meu cabelo tá parecendo um solzinho”. Brava ela continuou olhando seu reflexo na porta, vendo aquele cabelo armado e bagunçado que mais parecia raios de sol iluminando todos os lados. Ela via isso como algo negativo, lembrava dos desenhos que fazia na escola e via que seu cabelo parecia com o sol que ela tanto desenhava. Bateu os pezinhos e gritou: “Por que meu cabelo tá parecendo um solzinho?”.  
Aquela menininha que adorava dançar, andar de bicicleta, roler e patinete. A mesma que se trancava no quarto e ficava horas arrumando o cenário para brincar com as suas bonecas e quando terminava desistia de brincar, porque estava cansada demais. Ou que pegava suas Barbies e ficava criando diálogos sozinha, como se aquelas pequenas bonecas realmente estivessem conversando. E, então, ela passava a tarde toda repetindo antes das falas: “Aí ela disse...” como se fosse a narradora de cada diálogo.
Ela tinha a imaginação do tamanho do mundo e sua criatividade parecia inesgotável.
Ela adorava brincar de escolinha, amava imaginar que era professora. Pegava seu giz, escrevia em seu pequeno quadro dentro da sua casinha de bonecas e passava a tarde ensinando suas bonecas e seus ursinhos.
A pequenina sem preocupações complicadas, a pequenina que vivia intensamente, a pequenina que formou os detalhes da personalidade dessa garota de dezesseis anos de hoje.
Essa garota que sorri ao lembrar da sua infância e que percebe quão bobo é complicar a vida, já que a felicidade habita os pequenos detalhes - tantas vezes despercebidos. Ela sorri, porque aquela menininha de seis anos de idade ainda vive dentro dela. Essa menininha se mostra viva todas as vezes que a garota de dezesseis anos vai descalça à cozinha e ouve o pai gritar: “Vai por já um chinelo menina! Quer ficar doente?”. A menininha brilha dentro daquela garota toda vez que chove e ela sente uma vontade intensa de correr na chuva.
Hoje, aos dezesseis anos, essa garota sente aquela criança brincar em seu coração e gritar: “Ei, você não vai mais ensinar apenas bonecas e ursinhos, você logo vai ensinar gente de verdade!”. E nesse instante a garota se sente feliz ao ter certeza que será professora, ao saber o que cursará na faculdade e prossegue sorrindo ao perceber essa relação entre a menininha que ela já foi e a garota que ela é.
Ela sorri, porque nem tudo está perdido. Aquele medo que ela sentia quando pequena não se concretizaria: “Será que quando eu crescer serei chata igual os adultos?”. Ela não seria uma adulta chata, talvez ela nunca se tornasse uma adulta de verdade, porque enquanto aquela menininha viver dentro dela, ela ainda verá o mundo com seus olhos de criança.
A garota após sentir a menininha pular e dançar dentro dela, levanta e começa a dançar também. Dança ao som de suas músicas preferidas rodando até ficar tonta por todo o seu quarto, assim como fazia quando criança. Roda até ver seus livros se triplicarem diante de seus olhos e sorri, sorri até gargalhar, e nesse momento ela se sente criança de novo. Olha para aquela cortina de renda e agradece por sua mãe nunca ter comprado cortinas novas. Olha para a cor das paredes e agradece por nunca terem sido pintadas com alguma cor diferente. E mesmo aquele quarto não sendo o mesmo quarto de quando ela era criança, ela vê ali detalhes antigos que nunca morrerão. E agradece por ter uma vida tão bonita, tão divertida e tão simples, assim como era há dez anos.
A garota olha pela janela e se sente satisfeita por ter enxergado lá fora tudo aquilo que habitava o seu interior. Se sente realizada por saber que seu interior ainda é bonito, inocente e simples, graças aquela menininha que com muito carinho fez do coração daquela garota um eterno jardim de infância.
                                                                                                                                     - Betina Pilch.

quarta-feira, 14 de agosto de 2013

As artimanhas do amor


Aquele quarto nunca pareceu tão grande. Aquele chão nunca pareceu tão vulnerável. Aquele teto nunca pareceu tão frágil. E ainda assim, ela nunca havia se sentido tão segura.
Fazia dias que sua mente devaneava sempre para o mesmo lugar, para o mesmo horizonte. A razão já não a pertencia mais. Ela já não possuía controle sobre aqueles sentimentos, eles haviam a dominado por inteiro.
Cabe à razão averiguar como usufruímos das paixões, já que a força das paixões está em iludir a alma com razões enganosas e inadequadas. Mas seu coração já havia escravizado sua consciência sem possibilidade de carta de alforria. Os brados da razão tornaram-se apenas sussurros - sussurros emudecidos pela melodia do amor. Melodia tão contagiante que desde aquele dia, no alto daquela pedra, fazia seu interior dançar com a música no “repeat”. Melodia despertada pela voz mais singular que ela já tinha ouvido. A voz da pessoa mais incrível que ela já tinha conhecido. A mais bela voz. A voz dele.
Ele que possuía o olhar mais meigo que ela já havia visto. Um olhar que brilhava. Um olhar iluminado. Olhos que pareciam estrelas, os mais bonitos de toda constelação.
Ele que possuía o sorriso mais inocente, sorriso infantil, sorriso de criança, o mais delicioso sorriso. E ela sorria todas as vezes que imaginava ele sorrir.
Ele que possuía o coração mais apaixonante do mundo. O coração que completava o dela. O encaixe perfeito. A batida mais afinada. Não restavam dúvidas, aqueles dois corações estavam destinados a se completar, eram a dupla perfeita e cada nota por eles tocada se tornava orquestra.
Tamanha era a distância que abafava o som daquela canção, mas os quilômetros entre eles desapareciam a cada palavra compartilhada, a cada sinal de importância exposto. E ela sabia que esperaria por ele, percorreria aquela distância para reencontrá-lo se preciso, faria de tudo para ouvir seu coração tocando, dançando, cantando junto ao dela no palco da vida, tendo cada respiração como plateia daquele lindo show.
Tamanha era a saudade que tentava diminuir a voz do seu coração, mas não importava. Se o coração ficasse rouco ou perdesse a voz, ambas as metades ao se reencontrarem apreciariam o silêncio e em seguida seriam plateia de duas almas cantando em uníssono.
Ela adorava imaginar o capítulo seguinte daquela história. Ela adorava sonhar com o abraço dele, o abraço onde ela depositaria todos os pesos da saudade. E, envolta nos braços dele, ela finalmente flutuaria. Nesse instante ele seria dela, só dela. E não importava  se aquele abraço duraria segundos ou um minuto, porque naquele momento ela se sentiria infinita.
Ela sonhava com o dia que os lábios dele tocariam os dela e com um beijo eles selariam todas aquelas fantasias que ela havia cultivado durante todos aqueles meses de espera.
Ela sonhava que pela primeira vez na vida seria correspondida na medida certa, sem espaços vazios ou excessos transbordando. Eles se completariam, seriam apenas um. E esse seria o capítulo mais emocionante da história.
Mas enquanto ele não vinha, enquanto seus corações faziam dueto a distância, enquanto suas almas se completavam apenas através das palavras, enquanto suas bocas se encontravam apenas nos sonhos, ela escrevia. Escrevia na esperança de ter suas mãos entrelaçadas as dele, pois ela sabia que há quilômetros de distância ele também escrevia. E nesses detalhes eles se encontravam. Nesses detalhes eles ficavam juntos. E eram esses detalhes que tornavam a saudade mais suportável. Ela escrevia na esperança de preencher a ausência e senti-lo presente, até o dia que pudessem se reencontrar, segurar a mesma caneta e juntos começarem a escrever uma história a dois.
                                                                                                                             - Betina Pilch.