quarta-feira, 30 de outubro de 2013

Rimas deslocadas


Certa vez suas palavras foram depositadas no mesmo lugar que as minhas e foi a partir desse instante que começamos a nos misturar. Nossa história já começou com um "boa viagem" e então você partia para um lugar bem distante de mim. Mas nessas distâncias íamos nos encontrando, nessas milhas íamos nos aproximando, nossas ausências eram presentes, nosso presente era eterno. Sua vida sempre pareceu história de livro e eu adorava vasculhar as páginas e ler cada capítulo que você me autorizava a conhecer.
Cada página amarelada me encantava e fazia minha alma estremecer. Suas aventuras com antigos amores, sua mania de galantear, seu mestrado em roubar corações, sua forma de me conquistar. 
Grifei minhas partes favoritas e pouco a pouco fui decorando cada sílaba.
Meu olhar era o seu favorito e por sua causa ele tinha mais brilho. Minha boca te inspirava e as palavras que saíam dela só de você falavam. 
Não tínhamos medidas, quanto mais exagero era melhor, quanto mais intenso, mais bonito era. Com você não existia invernos e outonos, era tudo primavera.
Os versos de nossa história formavam a mais linda poesia. E algumas vezes eu acreditava que você era o amor da minha vida. 
Você sabe que eu sempre fui louca, sempre tive muitas paixões, meu coração era grande demais e um só amor não dava conta de preenche-lo. Mas eu sempre voltava pra você, porque sem seu amor tudo era desespero.
Sempre fui feita de vazios e tinha muito medo deles, a verdade é que sempre tentei ao máximo ficar longe do fim. E você também sabe que nunca se contentou só com os meus carinhos e cuidados, sempre precisou de mais uma e mais outra. No fundo você sabe que sempre foi igual a mim. 
Você que já foi muralha, quando te conheci era apenas destroços de um ser que constantemente tentava se reconstruir.
E eu era mera incompreendida num mundo que gostava de me confundir. 
Mas comigo você era inteiro, era isso que eu sentia. Com você eu era compreendida, eu gostava de acreditar que você me entendia. 
Nunca fomos simples, éramos dois amantes da complexidade, amantes românticos, sonhadores que só buscavam a felicidade. Mas também éramos cheios de cicatrizes, cicatrizes que ainda nos feriam e nos lembravam que nossas dores, apesar de parecidas, não se completavam, mas nos afastavam cada vez mais do nosso amor inventado. E pouco a pouco aquele sentimento foi aumentando e se tornando um imenso deserto gelado.
Antes eu achava que era uma menina feliz frequentemente perseguida pela tristeza. Hoje sei que minha essência é triste, a felicidade é apenas um adorno. (E mesmo nesse a(dor)no há dor camuflada). A verdade é que minha marcha é fúnebre e não trilha sonora de um conto de fadas.
Eu ainda guardo a sua gravação de voz de locutor, ainda ouço e morro de amor. Ainda ouço você dizendo que "ainda bem que existem pessoas como eu..." ou apenas me dando boa noite e dizendo que me ama. Ainda penso em você toda noite quando deito em minha cama. 
Ainda guardo aquela flor que você me deu. Ainda sinto aquele beijinho especialmente pra mim. Ainda guardo você aqui, e evito aceitar o fim. 
Ainda lembro de todas as suas promessas e juras de amor, sim. Ainda leio os textos que você escreveu pra mim. 
Mas a nossa  trilha sonora já não é animada ou romântica, a nossa realidade não passa de uma mera lembrança. 
Cada vírgula concreta foi apagada. Os nossos rascunhos escreveram uma linda história de amor, mas infelizmente ela nunca será publicada. 
Perdoe os meus erros, meu bem, eu nunca fui princesa perfeita e hoje nosso amor não passa de poesia desfeita.
                                                                                                                            - Betina Pilch.

sexta-feira, 18 de outubro de 2013

As cortinas já fecharam


Pensando bem... Não. Não nascemos um para o outro. Eu nunca iria me tornar o que você queria que eu fosse e você nunca iria entender meu sentimentalismo e exagero doce. 
Talvez eu tenha sido doce demais, melada e você enjoou. Mas tudo bem, eu compreendo, acabou.
A gente nunca teve muito a ver. Você curte pop, eu MPB. Eu amo livros, você odeia ler. 
Você sempre apegado ao realismo, a praticidade, ao orgulho, ao individualismo. E eu sempre sonhadora, apegada aos detalhes, complicada, cheia de romantismo. 
Você amante da liberdade, eu presa aos grilhões do amor. Você sempre tão frio e eu cheia de dor. 
Eu tendo que lidar com meus sonhos e com o impossível. Você sem nenhuma ilusão vivendo sua realidade insensível.
Sempre quis experimentar  uma vida sem nenhum tormento, mas minha caixinha nunca foi preenchida com algum sentimento. Sempre gostei sozinha, fiz papel de palhaça. E quem foi o roteirista fez da vida uma piada que já perdeu a graça. 
A protagonista esqueceu o roteiro, você mudou o gênero, o público cansou e a cortina já fechou. 
Ninguém gostou, o público vaiou, a peça foi um fracasso e terminamos sem aplauso.
Talvez tenha sido melhor acabar com esse tal conto de fadas fajuto e infeliz. O que era pra ser um romance virou uma comédia sem fim.
                                                                                                                           - Betina Pilch.

sexta-feira, 4 de outubro de 2013

(Ca)ótico


Ele falava com propriedade, com convicção. 
Ele expunha a sua mente e sua voz tocava o meu coração.
Ele conhecia todas as verdades e eu gostava de crer em suas teorias. 
Ele falava do mundo, da fé, ele explanava a vida.
Ele não era daqui, não parecia ser. 
Nesse mundo ele era um louco e estava começando a me enlouquecer.
Ele esclarecia as minhas dúvidas e confundia as minhas certezas. 
Quem sabe tenha vindo da Lua ou das estrelas.
Daqui ele não era, isso eu sabia. 
Quem sabe fosse um anjo sem asas a iluminar a minha vida.
Luz e trevas ele tinha a oferecer, 
bastava escolhermos qual tipo de cegueira gostaríamos de ter.
A cegueira branca, a cegueira negra, era isso que podia ofertar. 
Tirava e colocava o cisco no olho de quem quisesse o escutar.
Argumentos, discussões, filosofias. 
Ele era um amante do saber e isso me soava poesia.
Enquanto ele ensinava, argumentava e gesticulava palavras criticamente, 
eu nada sabia, o ouvia e o amava poeticamente.
Ele fala, eu escrita.
Ele argumento, eu poesia. 
Ele mestre, eu mera aprendiz. 
Uma ligação sustentada por uma utopia feliz.
Eu atenta a cada detalhe de sua existência. 
Ele perdido em devaneios dentro de sua cabeça.
Uma loucura, uma insanidade, uma confusão intensa.
Naquele momento beleza era só questão de inteligência.
E como rouxinol eu o ouvi cantar: 
voz doce, forte e vibrante, tal como o seu olhar.
Anjos tocando trombetas, orquestras fazendo sinfonia, corais cantando em uníssono não se comparam ao encanto daquela voz ao som do violão. 
Foi no instante que ele cantou que fui tomada pela mais absurda paixão.
Eu viveria mil invernos apenas com o amor por ele aquecendo cada pulsar.
Eu enfrentaria duzentos verões, porque sempre teria sua frieza para me refrescar.
Eu enfrentaria a sépia e o cinza do outono,
pois nele eu me largo, me entrego, abandono. 
Em meio a tantas folhas caídas, uma flor brilharia bem no meio do jardim.
Essa flor se chama amor, um amor que agora habita em mim.
Meu bem, eu te amaria por mais trezentas primaveras,
vivendo com as quimeras desse sentimento.
Mas de todas as estações eu escolhi a que sopra palavras ao vento. 
O menino que pensa. A menina que sente. 
Deixei-me atrair intelectualmente e hoje o amo romanticamente.
                                                                                                                                  - Betina Pilch.