quinta-feira, 24 de julho de 2014

Uma taça de vinho tingida de solidão – Por Betina Pilch


Resolvi tirar a madrugada de saudade. Saudade de você, saudade daquilo que nunca existiu, saudade de nós que nunca atamos. Então ouço aquela música que sempre me leva pra perto da gente que vive tão longe e tinjo meus lábios de roxo com um vinho tinto que me embriaga levemente.
Você está no quarto ao lado e eu permaneço aqui na calçada da sua solidão a espera de que você abra a porta para eu entrar. Espera frustrada. Você permanece aí e eu aqui, ambos bailando abraçados com a solidão que nos entorpece e nos domina por inteiro.
Você dança tão silenciosamente que mal consigo te ouvir. Sempre tão sutil e discreto - penso enquanto encho minha taça pela segunda vez. E então faço da solidão uma piada e começo a rir ironicamente, porque infelizmente ela não tem a mínima graça. 
Saboreio mais alguns goles dessa tinta roxa e penso que sua boca quente combina bem mais com os meus lábios do que essa taça de vidro fria. Meu batom manchando sua boca seria muito melhor do que esse roxo pintando meus lábios, mas infelizmente são as cores que nos escolhem e não nós que escolhemos as cores. 
Então fortifico a única cor que foi-me dada em meio a essa madrugada fria e na terceira taça de vinho a solidão não só dança comigo como também canta em meus ouvidos uma melodia tão triste que me obriga a chorar - e o meu vinho que era seco, agora é molhado pelas lágrimas que suavemente escorrem pela minha face antes maquiada pra você. 
Lentamente observo tudo se esvaziar: a garrafa de vinho, minha taça e minha alma agora derramada sobre tudo aquilo que esvaziei. Então olho para o fundo da taça levemente tingida de roxo, semelhante aos meus lábios, e suspiro ao encontrar o vazio ali dentro me esperando - me esvaziei dos vazios e eles continuam transbordando. Então bebo essa solidão que agora está desafinada demais para continuar cantando em meus ouvidos e, a goles sôfregos, dou um fim nela. Me sinto completamente embriagada - e ainda assim ciente de que no dia seguinte a ressaca será eterna. Porque no fim estou sempre só - só comigo. Sozinha. Sem você.
                                                                                                        

sábado, 19 de julho de 2014

Sonhos no frio de um inverno – Por Betina Pilch


"Por favor, não me deixe ir, porque, se eu for, temo nunca mais voltar." - eu dizia desesperadamente olhando em seus olhos que transbordavam medo.
Era noite de lua cheia, uma noite incrivelmente clara e estávamos em um lugar sombrio indecifrável. Você segurava uma vela vermelha enquanto muitos incensos eram acesos e no meio desse cenário eu me sentia completamente perdida e fraca. Enquanto eu aparentava fragilidade, você agia com bravura, estava destemido, como se tudo aquilo fosse natural. Mas quando minhas energias foram sugadas e eu estava prestes a cair, sua postura mudou completamente. Eu pronunciava aquelas palavras em tom de súplica e via seu olhar sendo tomado pelo sentimento de impotência, era como se você não pudesse me livrar do que estava acontecendo - talvez eu estivesse sendo condenada por mim mesma e nesse caso só eu poderia me salvar, não sei. O fato é que eu sentia a morte me atraindo para perto dela e seu rosto, de repente, nada mais era do que um doce borrão. Eu já estava me entregando às sombras que dilaceravam a luz quando, de súbito, senti um sopro de vida me resgatar - era você me abraçando fortemente pela cintura e sussurrando em meu ouvido que não ia me deixar. Nunca deixaria - você enfatizou por três vezes consecutivas. E, incrivelmente, isso não me surpreendeu. Era como se eu já soubesse que isso ia acontecer. Dentro de mim eu possuía a certeza de que você me resgataria dos braços da escuridão e faria eu retornar à luz que sempre pertenci.
Vida e morte. Luz e trevas. Coragem e medo. 
Você iluminou minha vida e corajosamente me livrou da condenação. Consigo lembrar nitidamente de como você me fez sentir segura enquanto sustentava toda a minha fraqueza em seu corpo forte e trêmulo e, mesmo fraca, tudo que eu queria era te deixar ciente da minha gratidão.
Eu estava completamente debilitada quando você me deitou sobre um banco de madeira e acomodou minhas pernas em seu colo. Você olhava para mim com seus olhos cheios de preocupação e me dava um sorriso cheio de tranquilidade - e esse foi o momento em que mais amei suas contradições. Mesmo sem proferir nenhuma palavra, eu sabia que você estava ali para cuidar de mim e, como se estivesse lendo meus pensamentos, você ousou dizer "para sempre".
Sua aura não estava mais cinza, encoberta por nuvens e névoa que me impediam de te decifrar. Sua aura estava verde, forte, se atrevendo a mostrar sua completude em meio a toda essa confusão.
E então eu acordei. Acordei com meu coração repleto de paz, porque, de certa forma, nossas almas se encontraram essa noite. E você me salvou. Me salvou de mim mesma e dos meus vazios mais uma vez.
                                                                                                           

sexta-feira, 18 de julho de 2014

Carta aos cuidados da chuva – Por Betina Pilch


Querido Sam, 
Está chovendo lá fora e eu me pergunto como você está. É provável que você esteja sendo um dos você apropriado para o momento, afinal você tem uma máscara certa para cada ocasião. Ou talvez você não esteja preocupado com isso e, nesse momento, só haja um Sam perdido em seus próprios devaneios, imerso em sua aura cinza que vive nublada para que ninguém consiga enxergar o que realmente há nela. 
Ah, menino mistério, você me confunde tanto...
Estou escrevendo essa carta, porque assim como você se esconde atrás das máscaras, eu me escondo por trás das palavras e nas entrelinhas vou me despejando. Ambos temos nossa maneira de fugir da vida, talvez. Mas o fato é que tenho esperanças de que um dia essas palavras cheguem até você e finalmente eu me livre desse segredo que me tortura há mais de um ano, porque está cada vez mais insuportável esconder o que eu sinto.
Meu coração é feito de fragmentos que tentam se juntar para transformar toda essa fração em um número inteiro e, apesar de toda essa matemática, ele jura que é poesia. Não sei como é possível acreditar em algo que venha do meio de toda essa confusão, mas meu coração jura que te ama. Talvez ele esteja embriagado de paixão e por isso fica bradando essas coisas malucas no compasso de cada pulsar, mas o fato é que ele não me deixa esquecer o que sente. Aí toda vez que eu olho pra você eu lembro dele dizendo que te ama e que você é o único que pode ajudar ele a se restaurar de vez. Sim, eu já disse pra ele parar com essa besteira - você não deveria depositar em alguém essa responsabilidade que na verdade é sua - eu vivo dizendo, mas ele não me ouve e, pra piorar a situação, começa a gritar seu nome igual um doido. 
Não sei por que diabos ele escolheu você, justo você que é tão complicado, justo você que é tão impossível. Mas ele escolheu e não há céu nem inferno que o faça mudar de ideia.
Confesso que houve um tempo em que eu fazia tudo que meu coração pedia, mas depois de tantas quedas a gente começa a ter mais cautela na hora do impulso e hoje eu prefiro não saltar mais rumo a ilusão nenhuma. Então vivemos essa eterna descomunhão: eu sendo razão e meu coração sendo coração mesmo. 
Meu coração diz uma coisa, eu finjo que acredito em outra só por teimosia. Ele grita o seu nome, eu começo a cantar a música que você mostrou pra mim só pra não ouvir o que ele está dizendo. Meu coração começa a cantar a música que sempre imaginei você cantando no nosso casamento e eu na maior cara de pau digo que isso é impossível - mesmo sabendo que o impossível nunca teve vez na minha vida.
Enfim, a verdade é que eu discuto com o meu coração só pra ter a ilusão de que ele não me governa, mas no fundo eu sei que ele é o meu guia, e talvez seja por isso que vivo desnorteada. O fato é que concordo com ele, estou prostrada diante de tanto amor e não sei mais o que fazer.
Então me responda Sam, o que eu faço com esse sentimento? 
Eu já tentei de tudo. Já tentei ignorar ele pra ver se ele se suicidava. Já fingi que ele não existia até eu acreditar na minha própria mentira. Já tentei não alimentá-lo até que ele, enfim, morresse. Mas quando eu vi, você já tinha alimentado ele com sorrisos, com batatas e panquecas e sei lá onde foi parar o sentido de tudo isso. 
É, nada disso faz sentido. Na verdade, nunca fez sentido algum e é por isso que eu nunca soube qual é o nosso destino, porque talvez não haja destino nenhum. Acho que não vamos para lugar algum, porque estamos perdidos - perdidos em nossa própria confusão. E quem sabe, no meio dessa bagunça toda, a gente acabe se encontrando e se ajeite de vez.
                                                                                                

domingo, 13 de julho de 2014

(C)or-do-sol – Por Betina Pilch

Aquele seu riso exibido de erro percebido me fez sorrir deliciosamente. Você tem esse dom de me encantar, enquanto canta com a aquela pose de moço sedutor e olhar envolvente. Mas eu realmente gosto quando sua pose despenca e o que resta é aquele simples menino oculto em sua essência. A complexidade transforma a brisa em vendaval, a garoa em tempestade, a calmaria em tormento. Já a simplicidade torna tudo mais leve e suave. Então, quando você errou aquela simples nota e sorriu, eu queria aplaudir seu riso em pé, porque – de fato – sua alma sendo exposta através daquela expressão risonha tinha sido a melhor parte do seu show teatral. E tudo isso justo naquela noite!
Aquela noite que chegou após uma tarde linda e cheia de melancolia. É, eu tenho essa mania de misturar todos os tipos de sentimentos em um único dia. Mas aquele dia… Ah! Era um daqueles dias em que não namorar o céu parecia um tremendo absurdo. Meus olhos beijavam cada cor celeste e me faziam sentir a delícia de degustar aquelas cores que devastavam o cinza. Admirando a imensidão, eu via o sol rasgando e queimando o horizonte, para dizer adeus à tarde e dar lugar à noite.
Ah! O Sol… Sempre tão humilde, eu pensava comigo. E, enquanto ouvia o adeus, meus olhos, que antes beijavam o céu, agora – taciturnos – olhavam pro sol, porque sabiam que os sabores das cores iriam se pôr junto à luz ofuscante. As cores estavam indo embora e eu, na minha ignorância, achava que a poesia também, mas logo fui beijada por um milhão de rimas. Caiu a noite e a pose dele despencou. Isso me fez pensar em como algumas quedas podem ser incrivelmente bonitas. Eu, que vivo caindo em pranto, despencando dos sonhos, levando tombos, nunca tinha percebido a beleza de uma queda. Justo eu, que coleciono garoas, cascatas e cachoeiras de lágrimas, nunca havia notado que toda queda ou gera sentimentos ou é gerada por eles – e eu nunca gostei de cair. Nunca gostei do roxo que as quedas deixavam.
Ah! As cores que me perdoem. Eu reclamava do cinza e, quando era colorida com tons de roxo, ficava brava. Quando as cores eram obrigadas a se pôr com o sol, eu me entristecia. Ah, menina indecisa! Mas o fato é que as cores do céu no final da tarde eram minha anestesia. Meu artifício inventado para fugir da vida. E, toda vez que o sol ia embora e levava consigo sua caixinha de lápis de cor, eu olhava para mim e lembrava que eu não passava de um contorno em preto e branco. E, quando a noite caiu e eu vi que ele sorriu, descobri nele o arco-íris que sempre almejei – e apenas desejei que, um dia, quem sabe – num final de tarde –, ele refletisse em mim.
                                                                                       
(Texto publicado originalmente no blog Retratos da Alma:

quarta-feira, 9 de julho de 2014

Reminiscência – Por Betina Pilch


Quando eu era pequena gostava de ficar em silêncio para prestar atenção nas batidas do meu coração. Eu imaginava que meu coração era um quarto com um cubinho dentro que ficava batendo nas paredes. Naquela época eu não imaginava nenhum hóspede dentro dele. Pra falar a verdade, nas minhas imaginações de criança, o tal quarto era cinza e vazio, talvez suas janelas refletissem um dia nublado e por isso a iluminação que eu via era tão sombria, mas o fato é que aquele cômodo que eu chamava de coração só tinha um cubinho que ficava se debatendo nas paredes - e eu sentia cada impacto no meu peito em um compasso regular.
Hoje eu resolvi ir até esse quarto, fiquei olhando pra ele um bom tempo e senti medo. Se eu tivesse que passar o resto da minha vida num lugar como aquele eu não suportaria.
Senti saudade de mim - acho que sou minha maior falta.
Quando eu era criança não tinha medo daquele quarto, meu sonho era conseguir sentar naquele cubinho enquanto ele se jogava de um lado pro outro. Eu não tinha medo da solidão. Eu era minha melhor companhia. Mas hoje, por mais louca que eu seja, não acho que mereço uma solitária - eu não me suportaria. É, é isso. Aquele quarto parecia uma solitária e, talvez, isso explique todas as esquizofrenias do meu coração.
Nunca entendi o que eu sinto, até porque nunca achei certo transformar os sentimentos em conceitos a serem explicados. Prefiro viver sentindo do que viver com sentido e talvez seja por isso que sempre vivi perdida num mar de confusão. 
Às vezes eu me enchia de nada e logo transbordava os vazios para me livrar dos ecos da solidão. Mas quando tentava me preencher novamente me perdia num labirinto de dúvidas que me deixava sem direção.
Sempre evitei ficar vazia, porque meu coração não gosta de ficar sozinho e tem medo do escuro, por isso ele vive buscando por sentimentos que possam colorir e iluminar tudo aquilo que escurece e acinzenta. Meu coração sempre foi um grande artista. Quando não encontrava cores, ele mesmo pintava as suas paredes com as fantasias que criava - e aí ele era pintor. Quando não encontrava iluminação, ele imaginava a luz e dessa luz sempre nascia poesia - e aí ele era poeta. Quando ele precisava de provas concretas de que algum momento de felicidade existiu, ele vasculhava o passado até achar - e aí ele era um arqueólogo de sentimentos. E nessas buscas incansáveis por luzes e cores e sentimentos ele encontrou você - e aí ele se tornou um grande astrônomo. Porque eu tenho certeza que ele te buscou no céu e trouxe pra mim.
E agora que te encontrei, retorno àquele quarto que imaginava quando era criança e dentro do cubinho que bate contra a parede eu vejo você. Te vejo com toda a luz que você nem imagina que tem e me ilumino por inteiro.
E toda essa luz me faz lembrar das suas fases lunáticas, do seu anoitecer sombrio, dos seus cacos que ferem, da sua mente perdida, e da sua complexidade que sempre se dissolve num sorriso. E então sorrio, porque o menino que você é, de certa forma, acaba de se encontrar com a menininha que eu fui.
Talvez você desperte o que tenho de melhor em mim e a menininha feliz que eu fui um dia resolveu acordar e mexer nas minhas memórias mais bonitas até eu notá-las, porque sabia que nessas memórias eu te encontraria.
E após escrever tudo isso me sinto anestesiada. Não sinto meu corpo direito, talvez ele tenha silenciado pra deixar a alma falar.
Toda vez que mergulho em mim, me afogo - me afogo na imensidão de sentimentos que você gerou em mim e desejo te inundar.
Meu coração de menina encontrou o menino que você esconde dentro de si e eles resolveram se afogar. Só espero que você ouça os gritos deles logo e resolva transbordar para, enfim, me encontrar.