segunda-feira, 7 de dezembro de 2015

Coração de tinta – Por Betina Pilch


Antes era feita de amor porque o amor curava. 
Conheceu certa dor que não cicatrizou e passou a ser feita de amargor. 
Mas mesmo amargurada via vestígios de cura naquela amargura.
Então - na grafia - transformou tudo em poesia...
Do am(arg)or tirou a raiva e deixou o amor. 
Na amargura só trocou o g pelo c e o que amargurava agora amava e curava. 
Percebeu que tudo na vida era questão de gramática. 
Que quando queria podia trocar o g pelo d e ser bem dramática 
ou tirar as duas silabas do meio, por o cedilha no c e transformar tudo em graça. 
Era a gramática que dava sentido às coisas e doava o sentir à vida tão bem, também.

                                                                                                      

terça-feira, 10 de novembro de 2015

Instante – Por Betina Pilch


Quando o amor começa não interessa quão complicados sejam os protagonistas, a história dá um jeito de acontecer, eu pensava enquanto lia Jane Austen e desejava um Mr. Darcy debaixo daquela árvore comigo. Era final de tarde, o sol estava indo embora, arrastando seu manto laranja para o poente, voltando para a companhia de todos os ontens. E eu estava me preparando pra ir embora, colocando meu romance na sacola, quando, de súbito, o amor aconteceu em mim. 
Você estava correndo e eu sempre detestei caras de regata e shorts que correm no parque. Imagina beijar um cara com gosto de lágrimas, pensei enquanto via as gotículas de suor escorrendo pela sua face e paralisando em volta da sua boca. Mas, nossa!, como você é lindo, você tem os olhos da cor da minha estante de madeira, devem caber muitas histórias no seu olhar... Talvez a gente combine, tanto quanto meus livros combinam com a minha estante. Mas talvez eu tenha uma síncope se você bagunçar a ordem da minha vida. Não posso admitir que você tire nada do lugar. No máximo meus pés do chão e olhe lá! Porque eu tenho medo de altura... Meu Deus! Você parou. Está olhando pra cá, não! Está olhando pra mim... Não acredito que você piscou! É assim que você vai piscar pra mim toda vez que a gente fizer uma piada interna e vamos rir diante da nossa cumplicidade. Você não tem ideia de como a gente combina. Formamos um belo casal. Eu até tenho uma estante da cor dos seus olhos, isso não pode ser mera coincidência. Só pode ser o destino. Com certeza é. 
Você voltou a correr. Não não não, você vai virar a esquina e, ei volta aqui! Minha mente está gritando enquanto eu permaneço estática sem saber o que fazer. Tudo que eu amo sempre foge de mim. Ah, não... Dessa vez não posso deixar isso acontecer. Olha o que você está me obrigando a fazer, estou correndo atrás de você. Minha mãe sempre disse que era pra eu correr atrás dos meus sonhos. Acho que estou fazendo isso pela primeira vez.
Você está vendo eu correr e se divertindo com isso. Está me encarando, me desafiando a correr ainda mais. Espero que você aja como um cavalheiro e faça respiração boca a boca em mim caso eu caia desmaiada por causa de uma crise de asma, já que eu esqueci minha bombinha em casa. 
Pra onde você está me levando?, eu penso já exausta de tanto correr. E, como quem ouve meu pensamento, você faz um manejo de cabeça apontando para um portão. Deve ser sua casa. Talvez você me apresente para os seus pais. Ou talvez você more sozinho e a gente tome um banho juntos após essa corrida toda. A segunda opção me parece bem mais atraente...
Entramos e céus! Você ainda não parou de correr. 
Estou logo atrás de você, não aguento correr mais. Quantos corredores, parecem labirintos. 
Eu tenho certeza que você é minha alma gêmea, moço dos olhos cor de madeira. Ontem mesmo eu jurei que nunca mais amaria ninguém e olha só o que você fez! É, é assim. Quando o amor começa não interessa se as dores da antiga paixão estão trancando seu coração, ele quebra a barreira e entra pela fresta. Olha você aí, bem de frente pra mim. Oh deuses! Estou te olhando como quem não quer nada, mas dentro de mim eu estou desesperada querendo mergulhar em você e me afogar de tanto ser amada. 
Quando o amor começa não interessa o tamanho da fresta, ele sempre dá um jeito de entrar. 
Já era noite, eu não estava enxergando quase nada, até que vi uma cama arrumada. Você me chamou pra deitar com você. Que romântico, você arrumou tudo com velas e flores. Eu sabia que era você. Sempre foi você! E eu te amei a noite toda. 
Quando abri os olhos eu não te achei. Olhei em volta e me assustei ao sentir o cheiro das flores românticas da nossa noite de amor e ao ver sua foto na cabeceira da cama de concreto com uma legenda escrita em letras garrafais "saudades eternas". Quando o amor começa, não interessa o tamanho da fresta, ele sempre dá um jeito de sair. Então enterrei o amor dentro de mim e fui embora do cemitério.                                                                                                   
                                                                                                                                        

terça-feira, 20 de outubro de 2015

Dos amores que morrem e matam – Por Betina Pilch



- Eu te amo - foi o que eu disse mergulhando em seus olhos malaquitas. 
Ele sorriu timidamente, como se aquelas palavras tivessem esmagando seu corpo causando uma dor insuportável.
- Que foi? - perguntei com um sorriso desesperador, me arrependendo de ter deixado o meu coração proferir voz.
- Precisamos conversar. - ele disse por fim.
- Prefiro que fique em silêncio. - sussurrei tentando evitar o pior.
- Preciso ser sincero com você.
- Por favor, apenas minta.
- Então prefiro ficar em silêncio. 
- Seu silêncio é uma mentira.

Houve uma pausa munida de um silêncio ensurdecedor.


- Não gosto de ser um mentiroso... - ele por fim falou, me tirando do calor daquele silêncio utópico e me colocando diante da frieza das suas palavras sinceras.

- Então nunca deveria ter me beijado. - Eu disse com a alma trêmula e retendo lágrimas.
- Foi sincero enquanto estávamos juntos. - Ele respondeu.
- E quando você estava longe a sinceridade ia embora, né? 
- Não... Quer dizer, não sei. Talvez. 
- Você disse que me ama.
- Eu fui impulsivo. 
- Erro de prefixo. Re-veja sua pulsão. 
- Você e seu jogo de palavras...
- Você e seu jogo com a vida...
- Eu te amava.
- Agora mudou o tempo verbal. Sabe, você é muito inconstante!
- Por isso estou indo embora.
- Gosto da sua inconstância.
- Gosto de como você gosta de mim.
- Odeio o jeito que você não gosta.
- Gosto quando você odeia. 
- Então fica! 
- Não posso. Não te amo mais.
E então senti meu coração ruir. Preferia que ele tivesse trocado a adição por subtração e dissesse que não me ama menos. Talvez o resultado disso tudo fosse diferente, não sei, nunca fui boa em matemática.
Busquei na minha fonte de memórias alguma lembrança que me fizesse entender onde foi que o amor acabou, mas tudo que achei foram os motivos que fizeram o amor nascer. A dor, de repente, estava me dando falta de ar e dessa vez não era crise asmática. Crise de asma bombinha resolve. Crise de alma só uma bomba relógio pode resolver. 
- Por que você está fazendo isso comigo? - perguntei. 
- Porque eu sou muito jovem pra me prender a alguém. 
- Eu nunca te prendi.
- Você entendeu. 

E essa foi sua última fala. O desprezo em sua voz matou o que restava de nós. Eu entendi. Realmente tinha entendido. Amei demais. Vivi por dois. E ele quis me fracionar. Eu não podia fazer nada. Não tinha como convencer ele a ficar. Meu coração queria implorar pra ele não ir. Queria prender ele pela primeira vez. Algemar ele em mim. Mas qualquer atitude persuasiva faria ele sentir mais desprezo e, no fundo, eu só queria que ele realmente tivesse me amado de verdade e que não esquecesse o que já sentiu um dia. 

No entanto, agora, eu já não tinha mais certeza de nada e essa dúvida me colocou prostrada, sem força nenhuma. Finalmente, explodi em lágrimas.

- Só me promete uma coisa - pedi entre um soluço e outro enquanto ele me fitava sem reação - me leve com você, me guarde na melhor parte de si.

Eu deveria ter lembrado que ele nunca foi bom músico. Nunca teve afinação. Por isso ele confundiu si com dó, me abraçou e eu apenas ignorei quando ele me soltou, virou as costas e foi embora. Fingi que era ali que ele me guardaria eternamente: em seus braços onde nossos embaraços - cheio de laços - sempre foram desatados.
- Eu te amo... - foi meu último sussurro banhado em lágrimas antes de perceber que eu tinha ido embora nos braços dele e que agora estava sozinha, sem ele e sem mim, para sempre.

                                                                                      

terça-feira, 29 de setembro de 2015

O nada de mim e de tudo – Por Betina Pilch



Os pequenos detalhes desapareceram. O céu sobre a minha cabeça não se distingue do solo sob os meus pés. É que meus olhos que antes pintavam, agora apagam tudo que vêem.

E o tudo agora é nada. E o nada é apenas nada. Um vácuo entre mim e meu eu. Uma lacuna sem luz e sem breu. Um vazio inóspito a cor. 
E o mundo que já foi morada, hoje é apenas uma palavra cansada sem significação, sinônimo, preenchimento ou valor. 
O colorido preterido foi reduzido a mero pretérito esquecido. E, sem rastro de lembrança, meu eu sem esperança passou a ser um monossílabo com resquício de duas letrinhas desbotadas que vão sumindo a todo vapor.
Olho para fora e para dentro de mim e, confusa, me perco sem saber onde estou. Já não há lugar, nem ser ou estar para me nortear ou situar a fim de eu me encontrar para sair daqui. 
Eu me perdi. Hoje sou apenas ausência de tudo que fui e daquilo que se foi...
Eu queria ter falado da vida e da falta que ela me faz, mas só falei da falta que me forma. 
Esqueci se vida é verbo, adjetivo ou mero substantivo quando fui preenchida com borrachas e a tal vida ficou desguarnecida ao ver a lágrima escorrida estragando os lápis de cor.
Tudo desbotou, perdeu o sentido e se foi. E minha alma, quase sem tinta, só queria deixar escrita a dor sentida que ainda lhe restou.


quarta-feira, 9 de setembro de 2015

Palavras (dis)corridas e escorridas sobre as rimas – Por Betina Pilch



É noite lá fora, uma noite fria, uma noite que caiu após uma tarde cinza e chorosa, cheia de poesia e timidamente retratada em tom de prosa. Uma tarde que surgiu após uma manhã chuvosa, toda escura e dengosa, sem nenhuma chama para aquecer o coração de alguém que, silenciosamente, ama e clama para ser ouvido em alguma hora.
Sentindo os arrepios do vento soprado que, sorrateiramente, entra pela janela aberta do meu quarto, me abraço na esperança de aquecer meus braços arrepiados de frio. Sinto o tremor imediato percorrer meu corpo e logo ouço o bater dos meus dentes que se encostam em um ritmo acelerado, como quem brada para fechar a janela logo, a fim de expulsar esse clima gelado.
Minhas pernas obedecem e se colocam eretas em movimento até os vidros embaçados. Meus braços trêmulos se levantam e obrigam minhas mãos roxas, aparentemente cadavéricas, a fecharem imediatamente aquelas janelas que, apesar de estarem cheias de grades, nunca impediram ninguém de entrar.
Então, um pouco antes de fechá-las completamente, você entra no meu quarto e, não sei se pelos olhos ou pela boca ou pelo nariz ou pelo ouvido, entra dentro de mim. Assim, sem permissão e sem direção. Perdido e partido em mil pedaços, feito de caco ou de aço, não sei. Na contramão da minha alma causa aquele impacto que só você é capaz de causar e meu corpo todo sorri de dor ao lembrar que você sempre foi meu acidente preferido. Desses que machucam e fogem, mas depois voltam para arcar com o prejuízo.
E quando você volta eu fico em volta de mim como quem não sabe voltar para dentro de si. Você me tira de mim e depois me devolve à solidão que sempre pertenci.
É confuso, difuso. É coisa de outro mundo e eu finjo que entendo tudo só para não te assustar ainda mais. Sei que sou confusa, maluca, cega, surda e nunca muda. Nunca mudo nem emudeço. Grito sempre e obedeço a voz que diz pra eu transbordar e te alagar demonstrando o quanto amo te amar.
Então, te amo mesmo sangrando e agonizo pausando minhas crises histéricas de amor por você. Sei que me afasto, porque se presente me faço, de súbito devasto todo o nada que há de normal nesse ser.
Enfim, me deito, segurando meu peito, abafando essa voz que quer sair de mim apenas para te enlouquecer.
Me calo e deixo meu coração desnudo e descalço, pra ver se ele sente vergonha de ficar se mostrando pra você.
Meu coração perverso e agora sem verso se cobre com as artérias responsáveis por fazerem ele bater.
E espera que você chegue e se aconchegue ao lado dele, pra ele parar de bater e começar, enfim, a arder. 

                                                                                      

segunda-feira, 22 de junho de 2015

A cor dar – Por Betina Pilch


De repente minhas pálpebras se abriram e a janela da minh'alma ficou exposta na minha face. Tudo agora é luz. A vida acontece. Porque, talvez, vi-ver seja uma questão de vi-são. Quando se enxerga a vida, ela simplesmente é. E ela sendo, nós somos também.

Às vezes há naufrágio nas profundezas da rotina. As coisas banais da existência encobrem os detalhes preciosos da vida. E, então, não vivemos, porque simplesmente não enxergamos.
É preciso reconhecer a cegueira e vestir as lentes da contemplação. Observar a movimentação do mundo sem ser parte de todo o caos. É preciso se retirar da monotonia e ser paz. Buscar um ângulo em que a vida possa ser vista e, dessa forma, possamos nos reconhecer como gente viva também.

É difícil caminhar sobre uma vida de reflexos sem reflexões. A análise se faz necessária, no entanto a mesma só é possível se nos colocamos como platéia dessa orquestra esquizofrênica em constante concerto no teatro que denominamos mundo. E a partir do momento que assistimos cada peça, encontramos a assistência necessária para o sopro da vida acontecer.

Durante o concerto buscamos ser consertados e só ansiamos por conserto, porque algo anteriormente veio a nos danificar um pouquinho. A cegueira, de fato, é sempre a maior sequela e quando o que se vê é apenas escuridão sentimos saudade. E mesmo saudade não sendo um verbo, todas as pessoas do nosso ser - tanto as singulares como as plurais- conjugam gritando como se fosse.

Saudade talvez de sorrir. Saudade de ser feliz.

Porque se as belezas são inibidas de se manifestar diante do nosso olhar, o que resta para cada ser contemplar é o sofrimento. E, (sof)rendo, quase nos rendemos totalmente a dor. Mas, ainda assim, há algo que não nos permite cair antes de ir ao encontro da vida que está reservada para nós logo ali.

Então, em meio a fraqueza, (ch)oramos. Porque (ch)orar nada mais é do que uma oração suplicante da alma que dói e, após o pranto, vem o silêncio. E o silêncio nada mais é do que um cala-frio na alma, ou seja, um calar-se em meio a frieza, porque os sussurros são petrificados e não conseguem proferir voz.

A vida, portanto, é essa busca por sentidos e esses sentidos ansiados nada tem a ver com direção. O que cada ser procura, de fato, é sentir a essência de tudo até, por fim, sentir-se como se é.
E quando se sente, assim, a si mesmo, é possível apalpar a vida e ver que ela é concreta. É possível inalar a essência de cada poro de existência vívida que há em cada ponto que nos cerca. É possível ouvir que aquela orquestra assistida encenou melodia e não apenas movimentos. E é assim que aquele que se vê como gente viva consegue degustar cada detalhe da vida.

Dessa forma, felicidade - talvez - seja só questão de criatividade. Ou seja, a ação constante de criar a vida em si. E a partir do momento que a vida é criada, ela nos dá alguns retalhos e a gente costura como pode.

A partir do momento que cada sentido é devidamente aflorado, criamos algumas rejeições. Tristeza, de repente, se torna incompatível com o ser que se assume vivo. Alegria, então, nada mais é do que uma alergia à lágrimas.
E, assim, vamos trans-bordando vida. Ou seja, bordando cada transcendência em busca constante do infinito de nós mesmos.

                                                                                                        

quinta-feira, 9 de abril de 2015

Inefável cegueira – Por Betina Pilch


Deslocada, 
transitando em nada,
 vago sem mim...
A solidão brota do chão
de um órgão,
mortificado pela vida,
compositor de um pulsar sem melodia.
Então, minha essência no papel é aprisionada e,
com uma aquarela de lágrimas, 
 uma peça, repleta de vaias, é pintada.
Transmutada, a realidade gritante é ecoada
e no silêncio se instala a voz que se perdeu.
Asas quebradas
de uma alma anêmica cansada,
batem perdidas entre as pétalas ásperas
da vida que padeceu.
E, entre respirações invisíveis e distâncias
transtornadas,
espasmos de fadigas eclodem em páginas
de uma poesia enterrada que,
de tão sufocada,
morreu...


terça-feira, 7 de abril de 2015

Das quietudes que inquietam – Por Betina Pilch



"Quando o medico apoiou o estetoscópio sobre o meu peito, 
ele ouviu um grito."

Minha boca continuava mexendo, falando apenas o necessário, enquanto minha mente se fazia de morta para não ter que perder tempo de vida tentando explicar - ou somente expressar - aquilo que ninguém queria saber ou escutar. O meu coração estava prestes a ser enterrado vivo junto com as palavras que guardou para não se aborrecer. Afinal, tudo que é dito corre o risco de ser respondido e, às vezes, as coisas são ditas apenas por dizer. Dizer, talvez, apenas para si. Então, parei com essa mania de falar comigo em voz alta enquanto uma plateia se faz presente. Mantive o diálogo silencioso entre eu e a minha mente.
Simplesmente me calei pro mundo e, com o tempo, esqueci de não me calar pra mim. Então adoeci.
Sim, um coração alimentado com silêncios adoece, porque sofre de saudade das palavras que morreram sufocadas ao serem inibidas dentro de uma mente que cansou de desenhar linhas onde pudesse se expressar. E quando não se sabe o que dizer, mesmo tendo muitas coisas a serem ditas, cala-se. Mas cala-se sem emudecer... A voz esvazia as palavras e verborragia sem atopetar de sentido aquilo que foi dito. Um calar-se de palavras profundas. Um dizer calado de palavras rasas. E, calando, se conjura a abertura para aquele que apazígua, mas também sabe concitar. O silêncio entra e não sai.
Porque o silêncio não é a ausência de palavras, o silêncio é a alma dizendo que não quer mais falar. E quando a alma diz isso, não importa quantas palavras a boca fale, todo o ser é condenado e, como pena, é obrigado a se calar, tendo direito apenas a permanecer calado na presença ou na ausência de um advogado.
Minha alma, por puro cansaço, preferiu se condenar a prisão do que ir a julgamento. A liberdade do mundo é pior do que qualquer grade ou jaula com um carcereiro. Voar por aí com os pesos da tal liberdade nas asas? Não, muito obrigada. Realmente prefiro ficar aqui, sozinha e calada.
Porque não há nada que me faça sentir livre se minhas palavras são filtradas de acordo com aquilo que interessa para quem, por pura arrogância, se dispôs a escutá-las. Ninguém quer ouvir para se preencher. Todos querem ouvir para, logo em seguida, se esvaziar. E, enquanto o mundo optar por usar o que o outro diz apenas como subterfúgio para vomitar, eu prefiro ficar condenada a mim até que realmente queiram se alimentar.
Não nasci com paciência para vagas ladainhas e minha alma, por pura birra, apenas não admite que lhe tirem a poesia, quase extinta, que poucos ainda ousam enxergar na vida.
                                                                                                                     
                                                                                             

terça-feira, 17 de fevereiro de 2015

Dezenove (mais sete) e para sempre – Por Betina Pilch


Ela acordou com ele ao seu lado pelo 19° ano seguido. E ele há 6940 dias olhava para ela como sua esposa todas as manhãs.
Assim como há dezenove anos, o dia estava chuvoso também e os tons de cinza contrastavam com o brilho das almas que resolveram se unir em uma aliança feita de eternidade.

"Até que a morte nos separe", foi o juramento no altar. Mas, com o tempo, eles perceberam que o grande desafio consistia em não se deixar morrer junto com as pequenas mortes do dia-a-dia e se permitir morrer pelo outro quando a renúncia de si mesmo se fazia necessária para a aliança permanecer com vida. Porque o casamento era isso: manter o amor vivo em meio a todas as mortes que existiam.

A união era semelhante a uma guerra com várias batalhas e era necessário lutar para vencer uma a uma, dia após dia, para que não fossem derrotados. Mas valia a pena, porque a medalha de honra era colocada no peito de ambos ano após ano, na mesma data e, naquele dia, eles percebiam o tamanho da vitória e agradeciam ao grande general que ia a frente de cada batalha.

Aprenderam também que o amor não é um conto de fadas, não é um drama de Shakespeare ou uma música da Whitney Houston. O amor é a aceitação mútua. É a disposição de abraçar o defeito do outro, beijar cada qualidade e em meio a esse entrelaçar de seres perceber que o humano é isso: um amontoado de erros e acertos longe da perfeição utópica que tantos acreditam ser real.
E, hoje, eles se deliciam com a realidade que suas atitudes arquitetaram no decorrer dos anos.

Ele, com quarenta e três, resolveu aceitar que sua alma tem dezesseis. Ela, com quarenta e seis, não honra a data que carrega no rg. E prosseguem assim: eternos adolescentes que se recusam a envelhecer.
Eles com vinte e seis anos de história riem de cada memória que o tempo modelou. Olham um para o outro e se desafiam a permanecer juntos até serem vovó e vovô.

Hoje, em um mundo de amores passageiros, simplesmente agradecem por serem exceção. E carregam a certeza que a aliança não foi colocada só no dedo - foi tatuada no coração.

                                                                                                                 

quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

Pétalas de gratidão as graças da vida te dão por mim – Por Betina Pilch


É apenas mais uma noite que pinta o céu com a escuridão. É só mais uma escuridão iluminada pelo bordado de estrelas na imensidão. É só mais uma madrugada onde busco rimas para a essa solidão, que veio aqui saudar minha existência, mais uma vez.
Rimas... Aprendi a magia de rimar quando mesmo longe você me ajudou a remar contra todas as ondas que tentavam afogar minha alma com lágrimas ácidas capazes de queimar. E hoje, cá estou eu navegando sobre essas águas agitadas, sendo guiada por constelações, tentando não naufragar nas proporções que as minhas emoções resolvem tomar.
Olhe para o céu, minha menina. Está vendo? Eu também estou. As estrelas... Foi tudo que restou de mim.
Três Marias, Cruzeiro do Sul... E a luz mais brilhante desse céu, que eu resolvi dar o seu nome no diminutivo pra tornar o manto celeste mais azul.
Me sinto tão pequena, tão confrangida em mim. Me disseram que posso ser imensa, mas que crescer não é tão bom assim. Às vezes o desespero espanca aqui, e eu busco socorro nas lembranças que guardo de ti. Mesmo longe você é presença, é a companhia mais leve que alivia as sentenças que a vida me impõe. E em você vou me segurando em meio aos empurrões que o mundo me dá esperando eu cair.
A cada resquício de queda me vejo sorrir ao segurar sua mão e sentir que não é preciso desistir. Encontro forças para seguir mesmo quando só silêncio emana daí. E nessas palavras, escassas, que há tempo eu tenho calado, encontro uma voz que sussurra que sempre estará ao meu lado. E mesmo esgotado meu ser, assustado, adormece aliviado por ter alguém assim... como você.