terça-feira, 29 de setembro de 2015

O nada de mim e de tudo – Por Betina Pilch



Os pequenos detalhes desapareceram. O céu sobre a minha cabeça não se distingue do solo sob os meus pés. É que meus olhos que antes pintavam, agora apagam tudo que vêem.

E o tudo agora é nada. E o nada é apenas nada. Um vácuo entre mim e meu eu. Uma lacuna sem luz e sem breu. Um vazio inóspito a cor. 
E o mundo que já foi morada, hoje é apenas uma palavra cansada sem significação, sinônimo, preenchimento ou valor. 
O colorido preterido foi reduzido a mero pretérito esquecido. E, sem rastro de lembrança, meu eu sem esperança passou a ser um monossílabo com resquício de duas letrinhas desbotadas que vão sumindo a todo vapor.
Olho para fora e para dentro de mim e, confusa, me perco sem saber onde estou. Já não há lugar, nem ser ou estar para me nortear ou situar a fim de eu me encontrar para sair daqui. 
Eu me perdi. Hoje sou apenas ausência de tudo que fui e daquilo que se foi...
Eu queria ter falado da vida e da falta que ela me faz, mas só falei da falta que me forma. 
Esqueci se vida é verbo, adjetivo ou mero substantivo quando fui preenchida com borrachas e a tal vida ficou desguarnecida ao ver a lágrima escorrida estragando os lápis de cor.
Tudo desbotou, perdeu o sentido e se foi. E minha alma, quase sem tinta, só queria deixar escrita a dor sentida que ainda lhe restou.


quarta-feira, 9 de setembro de 2015

Palavras (dis)corridas e escorridas sobre as rimas – Por Betina Pilch



É noite lá fora, uma noite fria, uma noite que caiu após uma tarde cinza e chorosa, cheia de poesia e timidamente retratada em tom de prosa. Uma tarde que surgiu após uma manhã chuvosa, toda escura e dengosa, sem nenhuma chama para aquecer o coração de alguém que, silenciosamente, ama e clama para ser ouvido em alguma hora.
Sentindo os arrepios do vento soprado que, sorrateiramente, entra pela janela aberta do meu quarto, me abraço na esperança de aquecer meus braços arrepiados de frio. Sinto o tremor imediato percorrer meu corpo e logo ouço o bater dos meus dentes que se encostam em um ritmo acelerado, como quem brada para fechar a janela logo, a fim de expulsar esse clima gelado.
Minhas pernas obedecem e se colocam eretas em movimento até os vidros embaçados. Meus braços trêmulos se levantam e obrigam minhas mãos roxas, aparentemente cadavéricas, a fecharem imediatamente aquelas janelas que, apesar de estarem cheias de grades, nunca impediram ninguém de entrar.
Então, um pouco antes de fechá-las completamente, você entra no meu quarto e, não sei se pelos olhos ou pela boca ou pelo nariz ou pelo ouvido, entra dentro de mim. Assim, sem permissão e sem direção. Perdido e partido em mil pedaços, feito de caco ou de aço, não sei. Na contramão da minha alma causa aquele impacto que só você é capaz de causar e meu corpo todo sorri de dor ao lembrar que você sempre foi meu acidente preferido. Desses que machucam e fogem, mas depois voltam para arcar com o prejuízo.
E quando você volta eu fico em volta de mim como quem não sabe voltar para dentro de si. Você me tira de mim e depois me devolve à solidão que sempre pertenci.
É confuso, difuso. É coisa de outro mundo e eu finjo que entendo tudo só para não te assustar ainda mais. Sei que sou confusa, maluca, cega, surda e nunca muda. Nunca mudo nem emudeço. Grito sempre e obedeço a voz que diz pra eu transbordar e te alagar demonstrando o quanto amo te amar.
Então, te amo mesmo sangrando e agonizo pausando minhas crises histéricas de amor por você. Sei que me afasto, porque se presente me faço, de súbito devasto todo o nada que há de normal nesse ser.
Enfim, me deito, segurando meu peito, abafando essa voz que quer sair de mim apenas para te enlouquecer.
Me calo e deixo meu coração desnudo e descalço, pra ver se ele sente vergonha de ficar se mostrando pra você.
Meu coração perverso e agora sem verso se cobre com as artérias responsáveis por fazerem ele bater.
E espera que você chegue e se aconchegue ao lado dele, pra ele parar de bater e começar, enfim, a arder.