terça-feira, 10 de novembro de 2015

Instante – Por Betina Pilch


Quando o amor começa não interessa quão complicados sejam os protagonistas, a história dá um jeito de acontecer, eu pensava enquanto lia Jane Austen e desejava um Mr. Darcy debaixo daquela árvore comigo. Era final de tarde, o sol estava indo embora, arrastando seu manto laranja para o poente, voltando para a companhia de todos os ontens. E eu estava me preparando pra ir embora, colocando meu romance na sacola, quando, de súbito, o amor aconteceu em mim. 
Você estava correndo e eu sempre detestei caras de regata e shorts que correm no parque. Imagina beijar um cara com gosto de lágrimas, pensei enquanto via as gotículas de suor escorrendo pela sua face e paralisando em volta da sua boca. Mas, nossa!, como você é lindo, você tem os olhos da cor da minha estante de madeira, devem caber muitas histórias no seu olhar... Talvez a gente combine, tanto quanto meus livros combinam com a minha estante. Mas talvez eu tenha uma síncope se você bagunçar a ordem da minha vida. Não posso admitir que você tire nada do lugar. No máximo meus pés do chão e olhe lá! Porque eu tenho medo de altura... Meu Deus! Você parou. Está olhando pra cá, não! Está olhando pra mim... Não acredito que você piscou! É assim que você vai piscar pra mim toda vez que a gente fizer uma piada interna e vamos rir diante da nossa cumplicidade. Você não tem ideia de como a gente combina. Formamos um belo casal. Eu até tenho uma estante da cor dos seus olhos, isso não pode ser mera coincidência. Só pode ser o destino. Com certeza é. 
Você voltou a correr. Não não não, você vai virar a esquina e, ei volta aqui! Minha mente está gritando enquanto eu permaneço estática sem saber o que fazer. Tudo que eu amo sempre foge de mim. Ah, não... Dessa vez não posso deixar isso acontecer. Olha o que você está me obrigando a fazer, estou correndo atrás de você. Minha mãe sempre disse que era pra eu correr atrás dos meus sonhos. Acho que estou fazendo isso pela primeira vez.
Você está vendo eu correr e se divertindo com isso. Está me encarando, me desafiando a correr ainda mais. Espero que você aja como um cavalheiro e faça respiração boca a boca em mim caso eu caia desmaiada por causa de uma crise de asma, já que eu esqueci minha bombinha em casa. 
Pra onde você está me levando?, eu penso já exausta de tanto correr. E, como quem ouve meu pensamento, você faz um manejo de cabeça apontando para um portão. Deve ser sua casa. Talvez você me apresente para os seus pais. Ou talvez você more sozinho e a gente tome um banho juntos após essa corrida toda. A segunda opção me parece bem mais atraente...
Entramos e céus! Você ainda não parou de correr. 
Estou logo atrás de você, não aguento correr mais. Quantos corredores, parecem labirintos. 
Eu tenho certeza que você é minha alma gêmea, moço dos olhos cor de madeira. Ontem mesmo eu jurei que nunca mais amaria ninguém e olha só o que você fez! É, é assim. Quando o amor começa não interessa se as dores da antiga paixão estão trancando seu coração, ele quebra a barreira e entra pela fresta. Olha você aí, bem de frente pra mim. Oh deuses! Estou te olhando como quem não quer nada, mas dentro de mim eu estou desesperada querendo mergulhar em você e me afogar de tanto ser amada. 
Quando o amor começa não interessa o tamanho da fresta, ele sempre dá um jeito de entrar. 
Já era noite, eu não estava enxergando quase nada, até que vi uma cama arrumada. Você me chamou pra deitar com você. Que romântico, você arrumou tudo com velas e flores. Eu sabia que era você. Sempre foi você! E eu te amei a noite toda. 
Quando abri os olhos eu não te achei. Olhei em volta e me assustei ao sentir o cheiro das flores românticas da nossa noite de amor e ao ver sua foto na cabeceira da cama de concreto com uma legenda escrita em letras garrafais "saudades eternas". Quando o amor começa, não interessa o tamanho da fresta, ele sempre dá um jeito de sair. Então enterrei o amor dentro de mim e fui embora do cemitério.