terça-feira, 27 de setembro de 2022

Desejo - Por Betina Pilch

 


A bola 8 foi encaçapada e ela riu - pois havia perdido a partida. E de perdas ela entendia bem. De partidas também. 

Perdia a hora, a noção, o juízo, o limite. E, cada vez que perdia, ela ria, porque havia aprendido que o choro deveria ser guardado para ocasiões especiais. 

O riso não.


O riso poderia ser dado, distribuído, desperdiçado. Sempre haveria mais uma dose de sorriso para ser experimentada. Algo dentro dela lhe dizia que a fonte de sorrisos era inesgotável. Por isso ela não poupava, não economizava. Gostava de sorrir e fazer todos a sua volta rirem com ela também. 

E, naquele bar, ao som de Iron Maiden, ela riu ao perceber que sabia fazer muitas coisas, mas que jogar sinuca não era uma delas.


Olhou para os seus amigos que a desejavam. Encarou todos os homens que ali estavam. E num diálogo com a própria mente se perguntou quem era, aonde estava e o que desejava naquela noite. 


Desejo. 


Ela sempre ouvia os próprios desejos. Aprendera desde cedo a não passar vontade de nada. Se pudesse realizar, realizaria. 

Mas Freud dizia que a realização do desejo só era possível na fantasia. Na realidade não passava de histeria. 

E ela ria - como histérica que era. 


Naquela noite ela ria porque sabia o que desejava. 

Ele.

Ela desejava ele. 

E ela ria, porque até aquela noite ela nunca imaginara esse desejo.

Ele, de quem ela nunca se aproximara até aquele momento.

Esse desejo nunca habitara as fantasias da sua psique e, subitamente, o desejo estava ali - numa fantasia nascida em sua mente, dentro de um bar, após um longo expediente de trabalho. 


Desceu as escadas. Pegou um chopp. Viu ele rindo. E riu novamente. 

Entendera que o desejo havia surgido do riso. Do riso que surgia dele. 

Ele gostava muito de sorrir. Seu sorriso o precedia. O iluminava. E, naquela noite, rindo com ele, entendeu que queria os lábios dele nos dela.


Uma noite regada a cerveja e sorrisos. Álcool e gargalhadas. Beijos e cigarros. Loucuras e diálogos. 

Uma noite. Uma mulher. Um homem. Alguns caras. 


Um carro cheio de gente. 

Gentes com desejos. 

Realidades histéricas. 


E do que se sucedeu ela não lembra muito bem. Sabia apenas que o desejo não fora possível apenas na fantasia. Porque sua vida era uma grande histeria com possibilidades absurdas. 


Não passara vontades. 

Seguia sendo ela.

Desobedecendo ou comprovando Freud.

Se era desejo ou histeria?

Fazia tanto que tanto fazia. 


Mas acordou rindo - ao lado de quem ela desejara.