Olhar para fora com esperança de enxergar o que habitava seu interior era a sua mania. Mas naquele dia era diferente, tudo parecia novo, e essa novidade era confusa demais para que ela compreendesse.
Ela olhava para
a cortina de renda que cobria a janela do seu quarto e tinha a sensação de
estar no passado. Aquela cortina, a iluminação... tudo, de repente, lembrava a sua
infância. E, por alguns instantes, ela teve acesso aos detalhes daquela mente. A mente daquela menina de seis anos de idade. A menina que ela já foi um dia.
Quão belo era o
mundo visto através dos olhos daquela menininha de cabelos cacheados volumosos,
de olhos pequenos e lábios grossos. Aquela menininha que detestava pentear os
cabelos e ter que perder seu tempo se arrumando para almoçar na casa da avó ou
da madrinha, ou para ir à festinha de aniversário da prima. Ela tinha sede de
viver. Ela queria brincar. Ela não gostava de perder tempo se arrumando,
porque mesmo sendo pequena ela tinha consciência de que ia voltar para casa com os
cabelos bagunçados após ter corrido o dia todo e pulado na cama elástica. Ia
acabar a festa com a roupa toda suja por ter brincado na terra e com as sandalinhas nas mãos porque seus pés estariam sujos por ela andar descalça o dia todo.
Os adultos eram
tão chatos! Nunca entendiam que ela adorava andar descalça na terra. “Vai por
o calçado se não você vai ficar doente!” – Eles gritavam toda vez.
Eles não
entendiam que era mágico tomar banho de chuva. “Já pra dentro! Você vai pegar
um resfriado.” – Ordenavam assim que os primeiros pingos de chuva começavam a
cair. Eles eram tão chatos! Que pessimistas rogadores de praga.
Aquela menininha
tinha o coração tão bonito, a mente tão inocente, a visão tão simples.
Recordo que uma vez ela levantou da cama e viu seu reflexo na porta do quarto e gritou: “Manhê!
Olha isso, meu cabelo tá parecendo um solzinho”. Brava ela continuou olhando
seu reflexo na porta, vendo aquele cabelo armado e bagunçado que mais parecia raios
de sol iluminando todos os lados. Ela via isso como algo negativo, lembrava dos desenhos que fazia na escola e via que seu cabelo parecia com o sol que ela
tanto desenhava. Bateu os pezinhos e gritou: “Por que meu cabelo tá parecendo
um solzinho?”.
Aquela menininha
que adorava dançar, andar de bicicleta, roler e patinete. A mesma que se
trancava no quarto e ficava horas arrumando o cenário para brincar com as suas
bonecas e quando terminava desistia de brincar, porque estava cansada demais. Ou
que pegava suas Barbies e ficava criando diálogos sozinha, como se aquelas pequenas
bonecas realmente estivessem conversando. E, então, ela passava a tarde toda
repetindo antes das falas: “Aí ela disse...” como se fosse a narradora de cada diálogo.
Ela tinha a
imaginação do tamanho do mundo e sua criatividade parecia inesgotável.
Ela adorava
brincar de escolinha, amava imaginar que era professora. Pegava seu giz,
escrevia em seu pequeno quadro dentro da sua casinha de bonecas e passava a
tarde ensinando suas bonecas e seus ursinhos.
A pequenina sem
preocupações complicadas, a pequenina que vivia intensamente, a pequenina que
formou os detalhes da personalidade dessa garota de dezesseis anos de hoje.
Essa garota que
sorri ao lembrar da sua infância e que percebe quão bobo é complicar a vida,
já que a felicidade habita os pequenos detalhes - tantas vezes despercebidos.
Ela sorri, porque aquela menininha de seis anos de idade ainda vive dentro
dela. Essa menininha se mostra viva todas as vezes que a garota de dezesseis anos vai
descalça à cozinha e ouve o pai gritar: “Vai por já um chinelo menina! Quer
ficar doente?”. A menininha brilha dentro daquela garota toda vez que chove e
ela sente uma vontade intensa de correr na chuva.
Hoje, aos dezesseis anos, essa garota sente aquela criança brincar em seu coração e gritar: “Ei,
você não vai mais ensinar apenas bonecas e ursinhos, você logo vai ensinar gente
de verdade!”. E nesse instante a garota se sente feliz ao ter certeza que será
professora, ao saber o que cursará na faculdade e prossegue sorrindo ao
perceber essa relação entre a menininha que ela já foi e a garota que ela é.
Ela sorri,
porque nem tudo está perdido. Aquele medo que ela sentia quando pequena não se
concretizaria: “Será que quando eu crescer serei chata igual os adultos?”. Ela
não seria uma adulta chata, talvez ela nunca se tornasse uma adulta de verdade,
porque enquanto aquela menininha viver dentro dela, ela ainda verá o mundo com
seus olhos de criança.
A garota após
sentir a menininha pular e dançar dentro dela, levanta e começa a dançar
também. Dança ao som de suas músicas preferidas rodando até ficar tonta por
todo o seu quarto, assim como fazia quando criança. Roda até ver seus livros se
triplicarem diante de seus olhos e sorri, sorri até gargalhar, e nesse momento
ela se sente criança de novo. Olha para aquela cortina de renda e agradece por
sua mãe nunca ter comprado cortinas novas. Olha para a cor das paredes e
agradece por nunca terem sido pintadas com alguma cor diferente. E mesmo aquele quarto
não sendo o mesmo quarto de quando ela era criança, ela vê ali detalhes antigos
que nunca morrerão. E agradece por ter uma vida tão bonita, tão divertida e tão
simples, assim como era há dez anos.
A garota olha
pela janela e se sente satisfeita por ter enxergado lá fora tudo aquilo que habitava
o seu interior. Se sente realizada por saber que seu interior ainda é bonito,
inocente e simples, graças aquela menininha que com muito carinho fez do
coração daquela garota um eterno jardim de infância.
- Betina Pilch.