terça-feira, 18 de abril de 2023

(C)oração - Por Betina Pilch



Querido Deus,

Você me criou com um coração gigante no peito e  - como se não fosse o bastante - você fez dele um terreno fértil e plantou sonhos tão gigantes quanto esse órgão que palpita em mim.

Demorei pra entender que cada sonho semeado aqui dentro era um presente seu.

Por muito tempo acreditei que cada semente de fantasia não passava de delírio ou histeria de alguém que insistia em acreditar demais. E, devido a essa falsa crença, eu até tentei parar de semear o que você plantou em mim. Mas quando eu negligenciava o cultivo, você invadia meu coração e cultivava cada sonho por mim. Porque você plantou sabendo que um dia eu iria colher cada fruto.

Algumas vezes vislumbrei o fruto e o florescer. E sorri radiante diante de cada desabrochar. Olhava para o jardim do meu coração e voltava a acreditar na primavera. Mas o outono vinha, sempre chegava e nesse processo muitas flores morreram dentro de mim. E, diante de algumas mortes, eu me senti tão seca por dentro que me sentia incapaz de regar qualquer raíz.

Mas as raízes sempre foram fortes. E quando eu já não acreditava mais ser possível vislumbrar as cores, você sussurrou baixinho meu ouvido que havia preparado alguém para me ajudar a reviver tudo aquilo que um dia você plantou em mim. 

E esse alguém, de alma tão florida, me disse que deixar de acreditar não era uma possibilidade. E eu, com tantas folhas secas dentro de mim, não entendia como era possível ainda ter esperança.

Mas ele pegou em minha mão, tocou o solo do meu coração, regou cada partezinha de mim com amor e quando eu me dei conta, quando olhei para dentro, me deparei com um jardim tão lindo, que foi inevitável não me emocionar. 

O meu jardim estava vivo. As flores e os frutos estavam ali. E então eu percebi que olhar para toda essa vida era a colheita mais bonita que eu podia vivenciar. 

Hoje o outono ainda chega. As folhas e as pétalas ainda caem. Mas se transformam em adubo para novas folhas e novas flores ainda mais lindas nascerem. Cada morte se torna fonte de uma nova vida. 

Hoje não tenho mais medo de morrer, porque finalmente percebi que as minhas raízes são fortes. Finalmente eu entendi que cada sonho plantado floresce realidades. E aprendi a (a)colher a vida dentro de mim. 

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2023

Noite solar - Por Betina Pilch

 


Um livro aberto na memória do ser. 

Livro este que um dia fora fechado e enterrado num bosque de esperanças mortas. Esperanças que outrora verdejaram na paisagem que aqueles olhos, vestidos com lentes de poesia, tanto vislumbraram.

Olhos que liam a alma dos sonhos e escreviam na terra molhada capítulos que ainda sonhava viver.

Terra que carregava páginas de um corpo caído, prostrado e ferido, que numa noite ensolarada, cansara de escrever.

Uma mulher cansada que rasgou todas as páginas que escrevera - não enxergava mais beleza no livro que um dia ousara fantasiar.

Uma mulher. Um livro. Um bosque. Uma vida com tantas mortes causada pelos recortes de mãos que um dia ela se dispôs a afiar. 

Naquele bosque, numa noite de lua cheia, jurou que podia ouvir a sinfonia desafinada dos cortes que um dia sofrera. E do sangue fez tinta. E desenterrou o livro em tantas partes rasgado. E pintou cada folha sorrindo como criança que sorri diante de um livro de colorir. 

Um livro aberto na memória do ser. Livro escrito na terra molhada por um céu que chora ao ser queimado pelas chamas que iluminam a noite. Uma noite solar. Uma noite solar que sola as sinfonias das páginas rasgadas que, agora pintadas, emitem novos sons. Melodias pintadas. Páginas cifradas.

Páginas cifradas um dia tocadas por quem foi capaz de ser tocado por cada nota entoada. 

Uma canção cantada na memória do ser.

Canção essa que um dia fora silenciada e esquecida num quarto de inércias desordenadas. Inércia que outrora confortara aquele, cujos olhos, vestidos de crenças, estavam cansados, mas não deixaram um segundo sequer de acreditar. Olhos que ouviam cada esperança enterrada, apesar da canção silenciada, esquecida no quarto ao lado. Quarto que guardava toda a bagunça que ele carregava dentro de si. Bagunça que ele nunca desistiu de arrumar. 

Um homem que compôs histórias melódicas regadas pelas próprias lágrimas que humanizavam aquela alma por tanto tempo torturada que por sentir demais, não sabia como sentir. 

Um homem. Uma canção. Um quarto. Uma vida de tanta espera e busca pelo infinito de si mesmo. Infinito que lhe esperava bem ali, naquele bosque. 

Um bosque. Um homem. Uma mulher. 

Um livro aberto e uma canção cantada na memória do ser. 

Seres que finalmente eram. Eram dois em um numa noite de sol pintada com estrelas e notas musicais. 

Finalmente viviam uma história contada, uma canção entoada, que nunca imaginaram ler ou escutar. 

Eram vida - vivendo a possibilidade de ser. 

sexta-feira, 13 de janeiro de 2023

Carta aberta ao amor - Por Betina Pilch

 


Hoje eu acordei e o sol já estava brilhando. Eu sorri. Dias ensolarados iluminam minha alma. 

Olhei para o céu. Coloquei as mãos na grama. Fechei os olhos. E você me veio em mente. 

Sorri novamente - você aquece meu coração.

Senti saudade ao mesmo tempo que, naquele momento só meu, me sentia infinita.

Durante muito tempo eu me senti morta por dentro. Não havia resquício de esperança. Eu tinha perdido a fé em mim mesma. E eu já tinha me conformado que a única crença possível era não acreditar em mais nada. 

Um dia eu acordei cansada da realidade onde eu me encontrava. Cansada de habitar em um corpo sem alma. Cansada de ter um coração que batia e a cada batida doía e abria as feridas que eu lutava incansavelmente para cicatrizarem. 

Naquele dia eu me abracei. Eu me acolhi. E beijei cada corte que a vida fez em mim. Eu tinha decidido me curar. 

Fiquei reclusa em mim algumas semanas e prometi que só abriria meu coração para pessoas que não ousariam me machucar de novo. Mas que enquanto isso eu ia aprender a habitá-lo. Eu ia aprender a me amar primeiro. 

Nesse processo eu esbarrei com a tua existência cheia de alma. E eu amei tanto a alma que você carregava no olhar. E sem perceber meu coração teimoso se abriu e te acolheu. 

E você me disse que esperava poder para cada corte na minha alma tatuar uma lembrança boa, para que eu nunca esquecesse tudo que aconteceu, mas visse com alegria as alegorias que uma nova lembrança me deu. 

Desde então eu tenho experimentado conviver com as minhas dores sem me afastar de mim. Sem fugir de quem eu sou. Porque você me fez perceber que eu sou um lugar confortável de habitar. 

Ontem eu li uma frase que dizia: “Se algo acontecer com você me diga, porque não é justo sorrirmos juntos e você chorar sozinha”. E eu senti algo que nunca havia sentido na minha vida: me senti compreendida. Porque é o que você faz. Você me acolhe em todas as minhas dimensões e me faz sentir que mesmo diante dos meus tormentos não é difícil me amar. 

E eu me sinto amada. E uma vez eu escrevi que eu não sabia ser amada e que ser amada me apavorava. Hoje eu sei que eu sentia isso, porque ainda não conhecia o verdadeiro amor. O único e verdadeiro amor da minha vida foi e é sentido agora que eu escrevo uma história ao seu lado. E eu desejo tanto que essa história nunca tenha um fim. Porque eu te amo e amo quem eu sou desde que começamos a caminhar pela mesma estrada. 

Obrigada por ter me reencontrado justamente no momento que eu me reencontrei.