Depois do vermelho, havia o
verde. Pontos de vista diferentes. O verde não enxergava o incêndio, nem sangue,
nem dor. Tampouco chamas e medos. Apenas caminhos. Caminhos repletos de pássaros que passavam. Passáros que
nem sempre eram animais. Pássaros que nem sempre saiam voar ou pousar.
E o verde olhava tudo,
apreciava tudo. E, de repente, viu uma caçadora de poesia.
Quando era um ser masculino
ele olhava e pensava: caçador, aquele que caçava dores. Mas quando viu aquela menina
caçadora, percebeu que dor, de repente, terminava diferente, lembrava mais
dourado do que dor. E ela caminhava, caminhava tanto e começou a perceber a sua
força. Não para destruir ou causar medo, mas para enfrentar e apreciar cada feixe
de luz, cada caminho aberto e, até mesmo, cada caminho fechado.
Ela passava por todos os
cantos, por todos os ângulos, por todas as arestas, e se deparava com muitos
poemas. Nem sempre traçados em versos, nem sempre estruturados em linhas e, na maioria das vezes, nem rimas tinham. E se
manifestavam naquelas pernas fracas, que
davam três passos e precisavam se sentar. Pernas que não eram dela, mas a
inspiravam. Porque quando se sentavam,
não deixavam de caminhar, porque aquelas pernas estavam cansadas, mas a alma
continuava disposta, disposta a continuar caminhando.
Às vezes, aquela alma observada
alçava voos tão altos, que a caçadora acreditava que não podia alcançar de
fato. Pensava que era preciso caminhar muito mais para um dia ter tanta força
nas pernas, tanta força nas asas, como aquelas poesias com as quais ela se
deparava em meio aquele verde que a cercava. Só os anos, só o tempo, só a
experiência de toda uma vida, só as dores que um dia os caçadores tentaram
caçar ali, fariam com que as pernas e as asas tivessem firmeza e persistência
para continuarem caminhando e voando.
E a caçadora sorria, sorria
com cada bom dia, com cada dia bom. Sorria porque, em meio a todo aquele verde,
a vida era bonita, mais bonita do que o sol que brilhava, mais bonita do que as
árvores que a olhavam, mais bonita do que a estrada que ela percorria.
A vida era feita de encontros. E esses encontros faziam a vida valer a pena, faziam as trilhas serem mais iluminadas, mesmo quando não havia sol nenhum. Mesmo quando o único sol só poderia raiar dentro dela mesma. Mesmo quando só havia o brilho da poesia que ela enxergava, da poesia que ela apreciava, da poesia que ela caçava.
E, mesmo cansada, mesmo
ofegante, ela caminhava. Ela não desistia de caminhar, porque ela era caçadora.
Buscava pelo dourado. Pelo lindo dourado. Um dourado que não se via, um dourado
que não se caçava. Um dourado que apenas se sentia.
E ela sentia tanto, que
começou a sorrir e não conseguia conter o riso. Assim, percebeu que o dourado
estava ali: nos lábios, nos dentes, no sorrir. Um sorrir que não era mais só
ir. Um sorrir em que ela finalmente encontrara o “R” que faltava. E ela
entendeu que era isso que ela procurava. Caçadora: caçava o dourado. E o
dourado era o “R” que faltava naquele imenso quebra-cabeça que era a vida. Era
a pecinha que se encaixava e fazia tudo fazer sentido. E sentido era apenas a
conjugação do verbo sentir.
E ela se sentou pela
primeira vez, depois de tanto percorrer, igual aquelas pernas que ela havia
apreciado no começo dos passos. Igual aquele caminhar que se sentava para
deixar a alma voar. Ela finalmente se sentou - mas não cansada, e sim
satisfeita por ter encontrado aquilo que precisava.
E, pela primeira vez, a
caçadora voou e alcançou a si mesma.
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