segunda-feira, 24 de outubro de 2022

Crenças - Por Betina Pilch


Ela já não acreditava mais em nada

Apesar de acreditar em muita coisa.

Abraçava suas crenças 

E alimentava suas descrenças 

Na mesma medida.

Se dizia crente

Em si mesma e em tudo.

Mas era ateia 

De tudo aquilo que a distanciava de si.

Queria não acreditar,

Mas por instinto acreditava.

Queria acreditar 

Mas por acaso não conseguia.

Dizia que não teria mais fé

Naquilo que pudesse lhe fazer sofrer.

Mas acreditava que a dor 

Humanizava 

E não se permitia acreditar 

Que um dia se desumanizaria.

Então,

Em lapsos de insanidade 

Atravessava a cidade 

E se humanizava

Sem medo do que a humanidade significava.

Acreditava que era melhor ficar fechada,

Mas desacreditava que pudesse ser algo

Além de liberdade escancarada.

E por isso se abria 

como porta sem fechadura 

E não temia os assaltos 

Nem as varreduras. 

Levantava os braços e se rendia 

E como mulher destemida

Sorria com ousadia 

Permitindo que levassem o melhor de si.

Se por loucura ou consciência 

Quisessem lhe devolver o que foi levado 

Saberiam o endereço do destinatário,

Mas caso preferissem se desfazer 

Falta não faria.

De onde abriu as portas 

Muita mais ela tinha 

Pra dar.

Que lhe roubassem o que vissem:

O mais valioso não era tão fácil enxergar.

Por isso, mesmo diante das violências,

Não se munia de nada 

Além da sua verdade.

Se despia 

Ficava nua 

Transparente 

Indefesa

E atravessava a rua 

O aparente 

Escoltada por si mesma.

Nada além de si.

Porque não acreditava mais em nada.

Mas era preciso continuar acreditando em tudo.

E por isso se jogava no escuro:

sendo luz, 

sem medo de se perder,

- com medo de se prender - 

a espera de nada 

para se surpreender. 

Nenhum comentário: