Ela já não acreditava mais em nada
Apesar de acreditar em muita coisa.
Abraçava suas crenças
E alimentava suas descrenças
Na mesma medida.
Se dizia crente
Em si mesma e em tudo.
Mas era ateia
De tudo aquilo que a distanciava de si.
Queria não acreditar,
Mas por instinto acreditava.
Queria acreditar
Mas por acaso não conseguia.
Dizia que não teria mais fé
Naquilo que pudesse lhe fazer sofrer.
Mas acreditava que a dor
Humanizava
E não se permitia acreditar
Que um dia se desumanizaria.
Então,
Em lapsos de insanidade
Atravessava a cidade
E se humanizava
Sem medo do que a humanidade significava.
Acreditava que era melhor ficar fechada,
Mas desacreditava que pudesse ser algo
Além de liberdade escancarada.
E por isso se abria
como porta sem fechadura
E não temia os assaltos
Nem as varreduras.
Levantava os braços e se rendia
E como mulher destemida
Sorria com ousadia
Permitindo que levassem o melhor de si.
Se por loucura ou consciência
Quisessem lhe devolver o que foi levado
Saberiam o endereço do destinatário,
Mas caso preferissem se desfazer
Falta não faria.
De onde abriu as portas
Muita mais ela tinha
Pra dar.
Que lhe roubassem o que vissem:
O mais valioso não era tão fácil enxergar.
Por isso, mesmo diante das violências,
Não se munia de nada
Além da sua verdade.
Se despia
Ficava nua
Transparente
Indefesa
E atravessava a rua
O aparente
Escoltada por si mesma.
Nada além de si.
Porque não acreditava mais em nada.
Mas era preciso continuar acreditando em tudo.
E por isso se jogava no escuro:
sendo luz,
sem medo de se perder,
- com medo de se prender -
a espera de nada
para se surpreender.
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