quinta-feira, 3 de novembro de 2022

Vivemos - Por Betina Pilch

 


Era quase meia noite quando eu precisei ir,

mas ainda era cedo quando decidi ficar.

Era anos oitenta quando você chegou 

e não fazia sentido eu estar lá.

Você sorriu sem me olhar nos olhos,

eu estava atenta ao seu olhar.

Naquela noite em que eu nem nascera 

você me deu o primeiro abraço, 

e eu que achava meu coração de aço 

senti que sangrava vitalidade mais uma vez.

E por isso voltei ao mesmo lugar 

duas noites depois para encontrar 

a vida que se perdera nas noites em que não dormi.

Mas, desperta naquela noite, 

te reconheci

de vidas passadas 

onde ainda não morri 

onde ainda não morremos.

Sobrevivemos 

ao tempo.

Habitamos 

novamente esse espaço.

E em meio a tantos caos e cacos 

sangramos sorrisos inteiros 

porque só sangra e sorri quem vive. 

Porque sorriso é uma cicatriz feliz

aberta na face de quem ainda acredita

apesar de tudo.

Acreditamos.

E por acreditar,

Vivemos.

Mesmo verbo.

Dois tempos verbais.

Dois sujeitos.

Passado.

Presente.

Eu.

Você.

Nós 

Entrelaçados 

num relógio que conta as horas errado.


Era quase meia noite quando precisei ir,

mas ainda era cedo quando decidi ficar.

Olhei nos teus olhos 

Te vi me olhar 

E após um beijo

virei as costas, 

mas todos os dias escolho voltar - 

e ficar

e ficar

e ficar

mais um dia

mais uma noite

mais uma vez.

Afinal,

era uma vez

dois sujeitos 

uma história

uma narrativa. 

Que agora apenas 

tecem realidades 

tragam memórias 

bebem prazeres

suspiram sentimentos.

E nessa introdução real 

se perguntam:

É dessa vez?


Era quase meia noite quando precisei ir.

Mas ainda é cedo pra eu pensar no fim. 


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