quinta-feira, 17 de novembro de 2022

Andar com som - Por Betina Pilch



Eu nunca mais escrevi textos em prosa. Toda a inspiração se derramava em versos fragmentados - eu havia perdido a capacidade de dialogar comigo e não havia alguém para me ouvir. E a cada poesia manifestada, eu me sentia perdida e casada de (versi)ficar.

Quando você chegou, eu era resquícios de uma poesia insistente que teimava em existir quando nada mais existia e, diante da inexistência de tudo, eu me habituava a ser verso pulsando num ritmo solitário - eu me recusava a não ser poema mesmo diante do vazio.

Você bateu à porta. À porta do vazio. E eu, que não tinha mais nada a perder, abri. Quando te vi, uma voz me dizia que não era a primeira visita - e de forma alguma seria a última. Eu já te conhecia e sabia que era você - e, por isso, te convidei a entrar. 

Tua voz me falava da vida que um dia eu esqueci de viver. Teus olhos carregavam humanidades que um dia eu lutei para não perder. Teu sorriso cantava a melodia que outrora eu mesma compus. Tua existência era o encontro há tanto tempo por mim esperado.


Naquela noite eu lembrei que visita você não era. Você não havia chegado. Você havia voltado - para morar em mim. E quando você quis se despedir, eu te dei a chave da minha alma através de um beijo (e você agradeceu).

A poesia floresceu. Olhei para cada verso e vi um jardim de metamorfoses - se apresentou como ceifador, mas transformou cada morte em vida. 

E a vida sorriu pra mim - ela havia nos preparado um para o outro. Ela havia semeado nosso grande (re)encontro. E eu sorri pra vida quando sorrimos juntos. 


E ri ao lembrar que um dia eu me recusei a ver beleza no “era uma vez”, critiquei o verbo no passado e achava que se era, não podia ser mais. Mas, depois de tantos contos de fadas lidos e sonhados, finalmente eu entendi. Era uma vez. Era - porque foi. Sempre foi você. Do passado para o presente rumo ao futuro: sempre foi você. Você é a minha vez de ser feliz. De ser feliz pra sempre. 

Entendi a verdadeira magia dos clichês repetitivos dos contos de fadas quando ouvi teu nome. Quando ouvi teu nome e percebi que a poesia que você é começava ali: no caminho que você trilhou até mim. 

E por isso teu nome carrega os sons do verbo andar: você andou uma vida cantando em busca de mim. E cada passo distante ecoou melodias que ritmaram todas as minhas poesias que te ouviam mesmo sem você saber. 


E hoje, andando ao seu lado, ouço a melodia do seu coração e escrevo nossa história sabendo que você nunca mais irá embora - porque cada passo gerou o compasso que faz nossa alma dançar. E nessa dança eu te abraço e me desarmo em teus braços sabendo que não vou me machucar.

Escrevo sobre você e sobre seu andar cheio de som e agradeço por poder ser poesia que finalmente alguém sabe ler. 


Eu nunca mais escrevi textos em prosa - até ter você para prosear uma vida comigo. 

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