"As coisas tangíveis tornam-se insensíveis à palma da mão. Mas as coisas findas, muito mais que lindas, essas ficarão." - Carlos Drummond de Andrade.
terça-feira, 19 de novembro de 2013
Carta(da) da Razão
Eu não voltaria pra você porque sinto medo. Sinto medo dos seus olhos tristes, eles entristecem toda e qualquer alma, e eu sempre soube o que existia por detrás deles.
Sinto medo das suas palavras, palavras que você nunca fracionou, nunca dosou, sempre transbordou e alagou a vida de quem se aproximava. Suas palavras são dicotômicas, elas podem ser colmadas e confortar, mas também podem ser afiadas e dilacerar até mesmo o mais insensível dos corações. Eu nunca achei certa a forma de você lidar com a vida, mas você nunca me ouviu.
Também sinto medo da sua dor exposta no amor que sente, até mesmo seus melhores sentimentos possuem sofrimento. Você nunca soube ser inteiramente feliz, seu tempero principal sempre fora a melancolia.
Sinto medo dos seus receios que transformam qualquer chão firme em areia movediça, você vive afundada neles.
Sinto medo da sua loucura, dos seus dramas, dos seus surtos. Eu nunca aceitei ser manicômio e pra ser sincera, você é digna de solitária. Você combina com a solidão, ela veste bem em você.
Seus silêncios sempre foram gritantes, mas os meus gritos sempre foram silenciosos demais. Você preferiu a melodia de cada pulsar ao invés de me ouvir, e essa melodia sempre me emudeceu.
Eu sinto medo de você, menina. E por isso me libertei. Fui embora, porque seus sentimentos me escravizavam e eu cansei de contraria-los e ganhar chibatadas. Hoje eu já não habito sua mente, fugi para longe, lhe deixei abandonada. Perceba que eu era sua melhor conselheira e desde que te abandonei todas as suas atitudes são erradas.
Seu conselheiro é um psicopata com tendências suicidas e vive caindo no erro de amar. Mas você preferiu ser influenciada por ele ao invés de me escutar.
Me despeço através dessa carta para lhe mostrar o que você fez: não bastou revirar sua vida, me enlouqueceu de vez.
Era eu que sempre estava, ali, te freando. E agora veja o que estou fazendo: poetizando.
Suas rimas sempre me atormentaram, sempre achei desafinadas, mas você não cansava de entoar. Eu me importava com você, mas passei a te odiar.
E não me venha com sentimentalismos baratos dizendo que o ódio é uma das facetas do amor, porque eu sou racional, feita de teorias valiosas e não sentimentos sem valor.
É menina, você podia ser genial, mas preferiu ser uma inútil romântica sentimental.
Adeus, menina doida, adeus. Você preferiu seu coração a mim, e isso gerou o nosso fim.
Hoje me despeço com muita exaltação. Essas são as últimas palavras daquela que já foi a sua Razão.
Divagando, só.
E talvez os manicômios de que Alvaro de Campos falava fossem o próprio mundo. E se, hoje, sou digna de camisa de força por amar a sensualidade da dúvida e da indagação ao invés da companhia desses doidos malucos cheios de certezas, que me mandem para a solitária de um hospício. (Em uma sala fechada estarei imune a loucura do mundo e entorpecida apenas com a minha própria loucura. Tendo a solidão como melhor amiga, ouvindo ela cantar o som do silêncio com a mais linda melodia inspirando minhas rimas).
Que eu seja uma louca digna de camisa de força que grite com os médicos questionando o porquê de me prenderem. E não uma doida maluca presidiária de um mundo com pessoas que nada questionam e dizem viver corretamente.
Que eu seja escrava da minha indagação e não dona de uma falsa razão. Que eu seja uma desvairada cheia de dúvidas em minha mente e não uma doida maluca cheia de certezas deprimentes.
"Em todos os manicômios há doidos malucos com tantas certezas. Eu, que não tenho nenhuma certeza, sou mais certo ou menos certo?" E se eu for a menos certa, que os mais certos não me corrijam.
- Betina Pilch.
terça-feira, 12 de novembro de 2013
Diálogo sobre a felicidade
— moça, você conhece a felicidade?
— Uma vez ouvi dizer que a felicidade é um estado durável de plenitude, satisfação e equilíbrio físico e psíquico. Mas de durável eu só conheço a melancolia. E de equilíbrio eu nunca entendi.
— eu conheci a felicidade. durou pouco tempo. meses pra ser exato. mas sobrevivi. por isso não recomendo.
ela parece vírus, sabe? suga tudo de você. e o que sobra? só isso que você é. tristeza.
— Não parece boa…
A felicidade sempre foi uma personagem fictícia que eu nunca quis conhecer. Dizem que ela te faz experimentar o gostinho do paraíso e se imortaliza num inferno que lança pelos ares chamas de lembranças.
Parece um tanto demoníaca essa tal felicidade. Um adorno que as pessoas usam para ocultar sua verdadeira essência.
— você tem total razão. sabe, dizem que o que mais atrai felicidade é o amor, mas sempre duvidei, já que esse sempre rimou perfeitamente com dor.
— Se a felicidade é uma das facetas do amor, eu não a conheci. Comigo o amor nunca foi dicotômico.Sempre foi clichê e desprovido de poesia. Dizem que não se fazem poemas com uma só rima.
— felicidade é névoa. é chuva passageira. daquelas finas que a gente pensa que vai refrescar, mas na verdade vai só molhar e fazer subir a aridez da vida, nos dando dor na garganta.
— Se a felicidade é tão ilusória assim, isso só me confirma quão iludidas as pessoas são. Todos cavalos com rédeas e viseiras, inibidos de visão.
— sim, felicidade é um corpo estranho em cada retina. não nos adaptamos a ela. pelo jeito a forçamos a fazer parte de nós. tentamos encaixar um circulo em um quadrado. mas é de nós mesmos, almas insatisfeitas. se nosso natural fosse a felicidade, buscaríamos a tristeza como nômades sedentos por água. temos essa ambição de ser algo que não somos, de ter sempre algo que não temos. queremos, não importa se sirva, se encaixa. vai parecer roupa com número maior, que sempre estaremos erguendo, ajeitando pra não cair, mas está na moda e, por mais ridículo que seja, todos querem usar. ser feliz está na moda.
— Se a felicidade está na moda, o mundo está alienado. Os que não podem ter, morrem sem ter conquistado. Aqueles que conquistaram, deixam-na jogada num lado.
Está na moda vestir essa máscara e ocultar sua verdadeira essência, mas meu amigo, ainda bem que eu nunca fui ligada a tendências.
— nem eu. minha única tendência é permanecer. mas veja, tem salvadores em cada esquina. tem livros de auto ajuda, sites de relacionamentos, curas, métodos, segredos para a felicidade aos montes. sair na rua é afogar-se no desejo dos outros de ser feliz. de te fazer feliz. e nós, náufragos da melancolia. são as mesmas pessoas que postergam o que tem dentro de si inerentemente. substituem, ou tentam, seu cinza peculiar pelas cores vivas das promessas. felicidade é ignorar? é não pensar? é deixar de lado o que está diante de seus olhos e abrir essa cicatriz no rosto que chamam de sorriso ante tudo o que tenta te fazer esquecer?
— Ser feliz é essa eterna tentativa frustrada. Tentamos trocar o nosso cinza pelas cores vivas das promessas mesmo sabendo que essas cores sempre desbotam.
Já me deixei iludir, acho que a felicidade quase me pegou uma vez.
Mas hoje, por mais acostumada que eu esteja com o sol, sempre estarei à espera da tempestade. Eu sou cinza, moço. Eu sou cinza. E tudo que é cinza já conheceu a dor de ser incendiado por uma chama. Isso explica os meus traumas.
Tenho medo de tudo que brilha demais, tem cores demais. Por isso sempre coloco minhas mãos em posição de defesa e fecho meus olhos quando a felicidade se aproxima. Porque meu arco-íris moço, é um degradê de cinza.
— felicidade seria esquecer de mim. eis ai minha impossibilidade de ser feliz. eis nossa impossibilidade de ser felizes. não importa o que tentemos usar pra aliviar. estamos sós. sempre estamos sós.
- Betina Pilch e Hemerson Miranda.
quinta-feira, 7 de novembro de 2013
Alvorada voraz
Não sei lidar com a realidade. Não sei lidar com a verdade. Não sei lidar com a vida. Minhas cicatrizes ainda estão vivas demais para eu suportar novas feridas.
Vivi tanto tempo imersa em sonhos que quando me deparo com o mundo real ele transmuta-se em pesadelos. Levanto-me da cama e o que me espera é somente desespero.
O campo concreto é muito assustador para quem viveu tempo demais anestesiada com o abstrato, a realidade é sólida demais para quem sempre foi apegada a tenuidade da fantasia e minhas artérias se entopem de pânico quando vejo fatos palpáveis invadindo minhas utopias.
Saí do meu mundinho efêmero e meus pés já ponteiam o precipício da veracidade, logo estarei em queda livre sem segurança alguma caindo na realidade.
A adrenalina pré-salto toma conta do meu sistema nervoso, as dúvidas tomam conta da minha mente e as angústias em meu peito doravante serão frequentes.
Cuspo no papel palavras brutas que pouco a pouco vão sendo lapidadas, bebo sentimentos a goles sôfregos e pouco a pouco minha alma vai sendo afogada.
Visto a máscara que oculta meus verdadeiros sentidos e nessa queda vai me faltando o ar. Preferia ter chumbo nas asas do que ser livre e ser obrigada a voar.
- Betina Pilch.
segunda-feira, 4 de novembro de 2013
Um conto real
Fico rindo ao pensar em você. É que além de você ser um palhaço fez um capítulo da minha vida ser uma grande comédia, cheia de lembranças boas que me despertam sorrisos. Fico imaginando eu contando para as minhas filhas e netas como foi que conheci o meu primeiro namorado: "Eu o conheci numa viagem que fiz ao Rio de Janeiro, posso dizer que foi amor à primeira vista mesmo que naquele primeiro momento eu não quisesse ouvir os sussurros cansados do coração. Mas quando o amor chega, mesmo que o coração esteja cansado e sem voz, ele brada tão alto que é impossível não ouvir, e do alto do arpoador, vendo o sol nascer, eu descobri que estava apaixonada. Mas nesse mesmo dia eu viria embora para Curitiba e senti um medo gigantesco ao pensar que talvez eu nunca mais fosse vê-lo, e tendo o sol e as águas como testemunhas da minha desolação eu chorei. Não deixei com aquele moço apenas as minhas palavras marcadas em uma carta, deixei também meu coração naquele abraço de despedida. Porém nenhum sentimento é em vão, o destino gosta de pregar peças e brincar com a gente, mas gosta de deixar marcas independente do tom sarcástico que usa nos acontecimento da nossa vida. Então, dezenove dias depois que eu voltei para casa, ele me pediu em namoro e foi o momento mais emocionante da minha vida até aquele dia. Sempre achei que sonhos não tinham relação com a realidade, que fantasias não podiam sair do campo abstrato para o concreto, mas o destino, que sempre adorou deixar marcas em mim, me provou o contrário. A partir daí eu comecei a escrever um milhão de poesias pra ele, mas ele nunca leu uma palavra se quer. Comecei a sufocar ele com o meu sentimentalismo e quem quase morreu de falta de ar fui eu mesma. É, não durou. Namoramos a distância durante um mês e cinco dias, mas resolvi ser corajosa e não maquiar o ponto de final de reticências. Escrevi o ponto final e fim. Terminei nossa história, porque estava enlouquecendo tanto eu quanto ele. Foi melhor assim. Nunca vou esquecê-lo, ele foi um capítulo bonito da minha história. Ele era um príncipe que não virou sapo, mas nossa história não era um conto de fadas para ter um final feliz. Porque contos de fadas não existem e se existissem eu não seria destinada princesa. Nunca nos beijamos, não tivemos um namoro comum, mas eu sempre fugi dos padrões mesmo e meu primeiro namoro foi a minha cara. Perfeito pra mim. Foram trinta e cinco dias de muita paixão, de sentimentalismo em excesso, eram dias que transbordavam, declarações, músicas e dois corações batendo no mesmo compasso. Fomos tão intensos quanto Romeu e Julieta, mas antes que um de nós nos matasse resolvi transformar o drama em comédia romântica. E por fim nossa história até pareceu um pouco com as minhas histórias de livro." As menininhas ainda ingênuas e inocentes, sem cicatrizes e frustrações, sorririam com os olhos brilhando e cresceriam com a certeza de que uma história não precisa ter um final feliz ou um "felizes para sempre" para ser intensa e bonita. - Betina Pilch.
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