terça-feira, 12 de novembro de 2013

Diálogo sobre a felicidade


—  moça, você conhece a felicidade?
—  Uma vez ouvi dizer que a felicidade é um estado durável de plenitude, satisfação e equilíbrio físico e psíquico. Mas de durável eu só conheço a melancolia. E de equilíbrio eu nunca entendi.
—  eu conheci a felicidade. durou pouco tempo. meses pra ser exato. mas sobrevivi. por isso não recomendo.
ela parece vírus, sabe? suga tudo de você. e o que sobra? só isso que você é. tristeza.
—  Não parece boa…
A felicidade sempre foi uma personagem fictícia que eu nunca quis conhecer. Dizem que ela te faz experimentar o gostinho do paraíso e se imortaliza num inferno que lança pelos ares chamas de lembranças.
Parece um tanto demoníaca essa tal felicidade. Um adorno que as pessoas usam para ocultar sua verdadeira essência.
—  você tem total razão. sabe, dizem que o que mais atrai felicidade é o amor, mas sempre duvidei, já que esse sempre rimou perfeitamente com dor. 
— Se a felicidade é uma das facetas do amor, eu não a conheci. Comigo o amor nunca foi dicotômico.Sempre foi clichê e desprovido de poesia. Dizem que não se fazem poemas com uma só rima.
—  felicidade é névoa. é chuva passageira. daquelas finas que a gente pensa que vai refrescar, mas na verdade vai só molhar e fazer subir a aridez da vida, nos dando dor na garganta.
—  Se a felicidade é tão ilusória assim, isso só me confirma quão iludidas as pessoas são. Todos cavalos com rédeas e viseiras, inibidos de visão.
—  sim, felicidade é um corpo estranho em cada retina. não nos adaptamos a ela. pelo jeito a forçamos a fazer parte de nós. tentamos encaixar um circulo em um quadrado. mas é de nós mesmos, almas insatisfeitas. se nosso natural fosse a felicidade, buscaríamos a tristeza como nômades sedentos por água. temos essa ambição de ser algo que não somos, de ter sempre algo que não temos. queremos, não importa se sirva, se encaixa. vai parecer roupa com número maior, que sempre estaremos erguendo, ajeitando pra não cair, mas está na moda e, por mais ridículo que seja, todos querem usar. ser feliz está na moda.
—  Se a felicidade está na moda, o mundo está alienado. Os que não podem ter, morrem sem ter conquistado. Aqueles que conquistaram, deixam-na jogada num lado.
Está na moda vestir essa máscara e ocultar sua verdadeira essência, mas meu amigo, ainda bem que eu nunca fui ligada a tendências.
—  nem eu. minha única tendência é permanecer. mas veja, tem salvadores em cada esquina. tem livros de auto ajuda, sites de relacionamentos, curas, métodos, segredos para a felicidade aos montes. sair na rua é afogar-se no desejo dos outros de ser feliz. de te fazer feliz. e nós, náufragos da melancolia. são as mesmas pessoas que postergam o que tem dentro de si inerentemente. substituem, ou tentam, seu cinza peculiar pelas cores vivas das promessas. felicidade é ignorar? é não pensar? é deixar de lado o que está diante de seus olhos e abrir essa cicatriz no rosto que chamam de sorriso ante tudo o que tenta te fazer esquecer?
—  Ser feliz é essa eterna tentativa frustrada. Tentamos trocar o nosso cinza pelas cores vivas das promessas mesmo sabendo que essas cores sempre desbotam.
Já me deixei iludir, acho que a felicidade quase me pegou uma vez.
Mas hoje, por mais acostumada que eu esteja com o sol, sempre estarei à espera da tempestade. Eu sou cinza, moço. Eu sou cinza. E tudo que é cinza já conheceu a dor de ser incendiado por uma chama. Isso explica os meus traumas.
Tenho medo de tudo que brilha demais, tem cores demais. Por isso sempre coloco minhas mãos em posição de defesa e fecho meus olhos quando a felicidade se aproxima. Porque meu arco-íris moço, é um degradê de cinza.
—  felicidade seria esquecer de mim. eis ai minha impossibilidade de ser feliz. eis nossa impossibilidade de ser felizes. não importa o que tentemos usar pra aliviar. estamos sós. sempre estamos sós.

                                                                                              - Betina Pilch e Hemerson Miranda.

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