sexta-feira, 18 de julho de 2014

Carta aos cuidados da chuva – Por Betina Pilch


Querido Sam, 
Está chovendo lá fora e eu me pergunto como você está. É provável que você esteja sendo um dos você apropriado para o momento, afinal você tem uma máscara certa para cada ocasião. Ou talvez você não esteja preocupado com isso e, nesse momento, só haja um Sam perdido em seus próprios devaneios, imerso em sua aura cinza que vive nublada para que ninguém consiga enxergar o que realmente há nela. 
Ah, menino mistério, você me confunde tanto...
Estou escrevendo essa carta, porque assim como você se esconde atrás das máscaras, eu me escondo por trás das palavras e nas entrelinhas vou me despejando. Ambos temos nossa maneira de fugir da vida, talvez. Mas o fato é que tenho esperanças de que um dia essas palavras cheguem até você e finalmente eu me livre desse segredo que me tortura há mais de um ano, porque está cada vez mais insuportável esconder o que eu sinto.
Meu coração é feito de fragmentos que tentam se juntar para transformar toda essa fração em um número inteiro e, apesar de toda essa matemática, ele jura que é poesia. Não sei como é possível acreditar em algo que venha do meio de toda essa confusão, mas meu coração jura que te ama. Talvez ele esteja embriagado de paixão e por isso fica bradando essas coisas malucas no compasso de cada pulsar, mas o fato é que ele não me deixa esquecer o que sente. Aí toda vez que eu olho pra você eu lembro dele dizendo que te ama e que você é o único que pode ajudar ele a se restaurar de vez. Sim, eu já disse pra ele parar com essa besteira - você não deveria depositar em alguém essa responsabilidade que na verdade é sua - eu vivo dizendo, mas ele não me ouve e, pra piorar a situação, começa a gritar seu nome igual um doido. 
Não sei por que diabos ele escolheu você, justo você que é tão complicado, justo você que é tão impossível. Mas ele escolheu e não há céu nem inferno que o faça mudar de ideia.
Confesso que houve um tempo em que eu fazia tudo que meu coração pedia, mas depois de tantas quedas a gente começa a ter mais cautela na hora do impulso e hoje eu prefiro não saltar mais rumo a ilusão nenhuma. Então vivemos essa eterna descomunhão: eu sendo razão e meu coração sendo coração mesmo. 
Meu coração diz uma coisa, eu finjo que acredito em outra só por teimosia. Ele grita o seu nome, eu começo a cantar a música que você mostrou pra mim só pra não ouvir o que ele está dizendo. Meu coração começa a cantar a música que sempre imaginei você cantando no nosso casamento e eu na maior cara de pau digo que isso é impossível - mesmo sabendo que o impossível nunca teve vez na minha vida.
Enfim, a verdade é que eu discuto com o meu coração só pra ter a ilusão de que ele não me governa, mas no fundo eu sei que ele é o meu guia, e talvez seja por isso que vivo desnorteada. O fato é que concordo com ele, estou prostrada diante de tanto amor e não sei mais o que fazer.
Então me responda Sam, o que eu faço com esse sentimento? 
Eu já tentei de tudo. Já tentei ignorar ele pra ver se ele se suicidava. Já fingi que ele não existia até eu acreditar na minha própria mentira. Já tentei não alimentá-lo até que ele, enfim, morresse. Mas quando eu vi, você já tinha alimentado ele com sorrisos, com batatas e panquecas e sei lá onde foi parar o sentido de tudo isso. 
É, nada disso faz sentido. Na verdade, nunca fez sentido algum e é por isso que eu nunca soube qual é o nosso destino, porque talvez não haja destino nenhum. Acho que não vamos para lugar algum, porque estamos perdidos - perdidos em nossa própria confusão. E quem sabe, no meio dessa bagunça toda, a gente acabe se encontrando e se ajeite de vez.
                                                                                                

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